"Pronunciar seu nome é fazê-lo viver novamente".
(idéia egípcia da ressurreição)
"Vem para o teu ká completamente tranquilo".
(PIERRE MONTET - 'La vie quotidienne em Egypt au temps des Ramsés')
"Fui um verdadeiro justo, isento de faltas.
Coloquei Deus em meu coração e recobrei seu poder".
(Estela de BEKI - 1450aC. - Museu de Turim )
ANÚBIS, deus dos embalsamamentos enfaixa uma múmia. Sob o leito funerário, os vasos hanopos guardam as vísceras. |
A IMORTALIDADE DA ALMA
é a grande doutrina facultativa dominante do sistema funerário e preside os ritos que acompanham o embalsamamento.
Tal imortalidade seria a recompensa prometida às almas virtuosas.
Uma segunda morte ficava reservada às pecadoras
O OFÍCIO DOS EMBALSAMAMENTOS
era necessário, porém desprezado e evitado.
Socialmente constituía o nível mais baixo.
Os trabalhadores , segundo OTTO NEUBERT, "eram inimigos vencidos ou pessoas desclassificadas moralmente, que gostavam de enganar os parentes do morto, roubando tudo quanto podiam.
As famílias distintas, sabedoras da fama que levavam esses embalsamadores, só lhes levavam o corpo de uma mulher bonita, passados quatro dias de seu falecimento, evitando que fosse violado.
Do contrário, tiravam sorte entre si, para saber qual o contemplado sobre a defunta".
Os trabalhos de embalsamamento se processavam na "CASA DOS MORTOS" [ ou seja, na "Per-Nefer" (= Casa do Vigor - da Vitalidade). "Senefer" (= voltar a dar o vigor), era a palavra que designava o ato de mumificar.], sob a administração dos sacerdotes.
Os corpos ficavam sob a responsabilidade dos especialistas em embalsamamentos e só estes podiam abrir os corpos. MIKA WALTARI, escritor finlandês, também menciona este pormenor em sua obra "Sinuhe Egyptilainen", neste trecho :
" Cada qual se especializava em determinado ramo, como faziam os médicos da Casa da Vida.
Assim, alguns se encarregavam de cuidar de cabeças, outros de ventres, outros ainda de corações, aqueloutros de pulmões, de modo ao corpo inteiro ser tratado parte por parte para adquirir preservação eterna".
"Havia uma espécie de temor religioso que não permitia aos médicos egípcios (como aos seus colegas da Idade Média), cortar o corpo para um fim puramente científico, pois o cadáver estava destinado a ressuscitar um dia".
( GASTON MASPERO - "Histoire Ancienne des Peuples de l'Orient - Paris, 1909).
Isso nos explica porque seus papiros médicos nos parecem medíocres, sob o ponto de vista científico.
Na época em que HERÓDOTO visitou o Egito, em 450 aC., "certas pessoas eram encarregadas, por lei, de realizar os embalsamamentos, fazendo disso profissão e trabalhavam em suas próprias casas".
( HERÓDOTO - "História" - II, LXXXVI ).
Na mumificação de primeira categoria procedia da seguinte maneira : extraíam o cérebro pelas narinas, com o auxílio de um gancho, inserindo drogas na caixa cerebral.
Diversos crânios das múmias radiografadas pelos cientistas da Universidade de Michigan, traziam o cérebro conservado na caixa craniana - de modos que sua extração não pode ser tomada como regra necessária do embalsamamento.
Por um corte no abdome, no flanco esquerdo, retiravam as vísceras (= intestinos, coração, estômago, pulmões e rins), limpando-as e banhando-as com vinho de palmeira, "água de Elefantina, nardo de EILEITHIÁSPOLIS, leite da cidade de Kim" ( Papiro RHIND ) e óleos aromáticos, manuseadas de modo especial e depositadas em jarros, chamados kanopos = por conterem o "ká" do defunto.
O egípcio (morto) possuía duas formas de coração : "hati" - coração físico, órgão carnal, sede da vida subconsciente; "ib" - coração consciente, ativo, com desejos e aspirações : era o primeiro a julgar a vida terrestre do defunto no outro mundo.
Era costume na II Dinastia, separar o coração e o falo do corpo, inumando-os em kanopos.
Outros pesquisadores afirmam que raramente o coração era tirado do corpo e substituído por um amuleto, o coração-escaravelho, sendo esse objeto colocado sobre o peito do defunto.
As tampas desses recipientes, os kanopos, reproduzem as feições de quatro deidades tidas como filhos de HÓRUS.
Nasceram eles nos princípios dos tempos, de uma flor de lótus, colhida das águas primordiais por SEBEK, a mando de RÁ.
Na crença Osírica, ANÚBIS encarregou os deuses dos deveres da mumificação.
HÓRUS, mais tarde, apontou-os como "guardiões dos jarros kanópicos" :
IMSET ( ou AMSETH) - representando Ísis / protege o fígado;
HAPI (com cabeça de macaco) - representa HEPHTYS / protetor dos pulmões;
QUEBEHSEMUF (com cabeça de falcão) - representa NEITH / protege o estômago e
DUAMUTEF (o chacal) - representa SERKET / protege os intestinos.
Vasos kanópicos e urna para guardá-los
A cavidade formada pela retirada das entranhas era enchida com mirra pura moída, canela, vinho e substâncias químicas.
Salgavam o corpo, recobriam-no com "kesmen" (= natro ou natrão : sesquicarbonato de sódio que provinha principalmente de Wadi-el-Natroum, um lago salgado do Delta do Nilo) e mergulhavam-no em uma solução salina especial, onde permanecia pelo espaço de 70 dias.
Toda a umidade do corpo era retirada pelo preparado.
Ao findar o prazo, tapavam as narinas ; para evitar a deformação enchiam o corpo com argila, areia, resinas, serragem, cebolas e novos batoques de panos (200 ou 300 m. de faixas de linho, enrolado em 16 voltas) embebidos em óleos de cedro e outras substâncias especiais desconhecidas.
Os seios das mulheres eram recheados da mesma forma.
O corpo ficava em posição deitada, com as mãos estendidas rente ao tronco, ou cruzadas sobre o peito. Usavam, ainda, as palmas das mãos sobre as coxas.
O púbis era raspado e os cabelos cortados rentes e curtos.
Os das mulheres permaneciam compridos, sendo lindamente ondulados.
Entravam em ação os cosméticos : pintavam o rosto, os lábios, as unhas, as palmas das mãos e as solas dos pés.
A tecelagem real fornecia o linho para enrolarem a múmia.
As faixas (ataduras) eram primeiramente embebidas em "commi" (= cola da acácia ), sendo aplicadas ao corpo vestido do(a) defunto(a).
Entre elas colocavam jóias e adornos.
Durante essas cerimônias do embalsamamento, o leito fúnebre era protegido pelas deusas NÉPHTYS (na cabeceira) e ÍSIS (nos pés).
Este foi um dos três leitos funerários, em ouro, usados na mumificação do faraó Tutankhamen e representa a deusa Hathor.
Ataúde(s) de madeira, ricamente trabalhado(s) com as feições do(a) morto(a), guardavam a múmia.
No túmulo o(s) ataúde(s) era(m) depositado(s) dentro de um sarcófago , geralmente de pedra ou alabastro, mas também faziam sarcófagos de madeira.
"Os pinheiros 'âch' serviam para fabricar os esquifes dos sacerdotes e a resina deles entrava também nos preparados químicos". ( PIERRE MONTET, idem )
O processo de segunda classe era mais fácil : um licor tirado do cedro era injetado no ventre, salgando o corpo e o depositando na lixívia por certo tempo.
O líquido injetado dissolvia as entranhas e o natro consumia as carnes, arrastando-as consigo ao sair.
Só restava, no final, pele e osso.
Unguentos baratos eram utilizados na terceira classe, onde os cadáveres eram dependurados em ganchos e jogados numa banheira para cinco pessoas. Injetavam licor "surmaia" , envolvendo o corpo com natro, por 30 dias.
A arqueóloga SALIMA IKRAM, professora da Faculdade Americana do Cairo, especialista em zooarqueologia, mostra que também mumificavam alimentos para os mortos.
Carne de costela da tumba de IUIA e TUIA, avós de TUTANKHAMEN. |
Pouco importava se a pessoa tivesse ou não tido acesso a esses alimentos durante a vida, o fato é que, depois da morte, eles estariam à sua disposição".
O SEPULTAMENTO
Mesmo na morte havia distinção, mas a lei declarava que todos os egípcios deveriam ser embalsamados.
Os pobres eram depositados nas criptas dos templos ( correspondendo ao ossário dos nossos cemitérios ) e os nobres, hum... os nobres ! Essa é outra história...
Um funcionário de THOTMÉS III descreve em sua tumba um enterro sagrado.
O caminho por onde passaria o féretro, puxado por touros imaculados (sobre uma espécie de trenó), era regado com leite.
Na porta da tumba lê-se provérbios e elogios em benefício do morto.
Os textos mortuários chamavam-se "sakku" ou salmos para "conferir personalidade efetiva" no outro mundo.
O ponto alto da cerimônia, sem dúvida, é a simbólica "abertura da boca" - momento em que os lábios da imagem ou da múmia eram tocados por um instrumento usado pelo sumo sacerdote.
O LIVRO DOS MORTOS
é o documento mais autêntico e seguro para conhecermos de modo determinante as doutrinas dos antigos egípcios, com respeito
à filosofia,
amoral,
aos conhecimentos psíquicos,
à constituição do ser humano,
sua desintegração no instante da morte
e os renascimentos que constituem a consequência do Juízo.
Contém ainda um ritual mágico relativo ao culto do morto e sua preservação onde há de permanecer.
Livro dos Mortos em escrita hierática |
Este hino ao deus-sol, foi extraído de um capítulo do LIVRO DOS MORTOS :
'Levanta-te, ó RÁ, em tua maravilhosa ascensão !
Tu és o Rei dos Deuses e o que tudo contém ;
de ti viemos e em ti nos divinizamos.
Ventos divinos caminham em música ,
através de tuas cordas de ouro.
Ó tu, Perfeito,
Ó tu, Eterno,
Ó tu que és Único !
Grande falcão que voa com o Sol !
A poesia do tempo rodopia a teus pés.
Autor do tempo,
tu próprio além de todo o tempo.
Tu és o Hoje,
o Ontem
e o Amanhã.
Louvor a ti, ó RÁ,
que tiras do sono a vida !
Milhões de anos já se passaram :
não podemos contar seu número ;
milhões de anos ainda virão,
mas tu estás além dos anos ! '
Conforme o LIVRO DOS MORTOS, TUM, deus primordial e criador, desata a trave posta por SETH na boca do defunto.
PTAH, dono da vida, abre-lhe a boca com um instrumento ritual "nu", de metal, usado para abrir a boca dos deuses.
"Pronunciar seu nome é fazê-lo viver de novo. Vem para o teu ká, completamente tranquilo !" - desta forma THOT atribui ao OSÍRIS-defunto mágicos encantamentos e identifica-o com os "próprios deuses, possuidores da Verdadeira Palavra". ( HENRI DURVILLE - "Los Misterios Iniciaticos" ).
Por fim, as derradeiras despedidas.
A porta é lacrada com os selos reais e da necrópole.
Como ainda hoje é costume em muitos lugares do Oriente, os antigos egípcios recorriam às carpideiras, que percorriam a cidade, gritando e batendo no peito; besuntavam a cabeça com lama do Nilo, descobriam os seios e lamentavam, chorando.
Carpideiras - Tumba de RAMOSE. |
Os defuntos egípcios até mesmo faziam-se acompanhar de esbeltas e elegantes estatuetas de suas concubinas para continuarem a gozar seus instintos e prazeres carnais no outro mundo.
Muitos painéis em túmulos mostram insinuações eróticas de mocinhas, cenas de beberagens e cheirar a flor de lótus para aumentar o libido com seu perfume 'afrodisíaco'.
Os egípcios costumavam suprir os mortos com literatura erótica, para distraí-los no além.
Far-se-á uma procissão fúnebre para ti e uma cara de ouro para tua múmia, com cabeça de lápis-lazúli.
Serás colocado sobre uma eça funerária, que os bois arrastarão. Os cantores irão diante de ti e as dançarinas executarão 'muu' (= danças fúnebres) à entrada da tumba.
A mesa cobrir-se-á de oferendas e todos abalarão a terra e lamentar-se-ão sobre o teu corpo, quando fores à sepultura "
( História de SINUHE ).
O termo "múmia" parece ter-se originado da palavra árabe "mumiya" ou "mumiyai", que significa betume, asfalto.
O betume era um produto de custo menor que o natro; o melhor betume era o do Mar Morto, chamado "Lago Asfaltite".
"Múmia" foi o nome dado à resina reduzida a pó e transformada em unguento para queimaduras, na Europa do Século XIX. Às vezes era misturada às poções, comida ou bebida.
"Múmia" foi nome dado à exudação natural dos rochedos e à mistura de pêz e mirra ( que teve amplo comércio entre os Séculos XVI e XVII ).
"Múmia'' é também cabelo e unha cortados dos vivos e, na feitiçaria, parte do corpo humano tomada pelo todo.
Hoje, "múmia" refere-se com exclusividade aos corpos conservados dos egípcios ou a qualquer corpo antigo, bem conservado.
Em sentido figurativo, diz-se de pessoas magras e feias
HÁ DOIS TIPOS DE MÚMIAS :
as naturais, que se conservaram intactas, devido ao solo seco, ao clima quente do deserto e à ausência de germes, tanto no ar como na areia [ esse é o principal fator na conservação dos cadáveres, segundo pesquisas do Prof. ELLIOT SMITH (1906) sobre as espécies de embalsamações das diversas épocas, registrados em sua obra "A Contribution to the Study os Mummification in Egypt".] ; e as artificiais, que passaram por tratamentos especiais.
"Até hoje não foi possível descobrir uma autêntica receita de mumificação, genuína e completa."
( C.W.CERAN - "Göttes, Graber und Gelehrte", 1953)
Museu Britânico : múmia natural egípcia. |
NO NEOLÍTICO
o defunto era inumado em "atitude flectida, com a cabeça repousando sobre os joelhos, numa sepultura pouco profunda, geralmente de forma oval.
A posição contraída perdurou, entre as classes pobres, até a VI dinastia, depois da qual a inumação em extensão tornou-se geral. O costume se verifica, pela primeira vez, no fim da III dinastia e somente entre a classe elevada.
Os cadáveres neolíticos eram dissecados e alguns corpos estão envolvidos em esteiras".
( H.R.HALL - "The Ancient History of the Near East" ).
A civilização Tassiana, no curso médio do Nilo, enterrava seus mortos deixando junto deles vasos cheios de alimentos.
Eram sepultados caídos sobre o lado esquerdo, com a cara no Ocidente.
Os do Baixo Egito ( Heluã e Merinde ), deitavam-se também de lado, com o rosto voltado para o Oriente e não lhes deixavam alimentos, supondo que suas almas partilhavam das refeições dos vivos.
O egípcio consagrava sua vida a preparar seu final e não era hipocondríaco, possuído de terror mortal.
Gostava tanto desta vida que a "Planície dos Juncos e das Ofertas", o céu, equivalia às Duas Terras.
NO PERÍODO PRÉ-DINÁSTICO
em El Mada, sudários de tecidos vão substituindo as peles e esteiras e as tumbas retangulares trazem, às vezes, compartimentos para oferendas.
PERÍODO DINÁSTICO
Portanto, as sepulturas se evoluem, passando às câmaras características da I dinastia e, "através das sepulturas em degraus da II à V dinastia, aos poços profundos dotados de câmaras, da VI à XI dinastia".
Sob o Médio Império ( XI e XII dinastias ), o morto não era habitualmente mumificado no sentido próprio da expressão e seus restos são encontrados sob a forma de esqueletos. ( H.R.HALL - idem)
À diferença dos reis, os nobres falecidos não tinham um "bá" na crença do Antigo Império.
Traduzimos essa palavra por "alma", mas significava uma continuidade de função depois da morte, ou determinado aspecto de um deus.
Quanto à massa popular não temos documentos que deem conta de sua existência futura.
Mas se os nobres eram servidores do "bom-deus" sobre a terra, no outro mundo seriam seus servidores mais felizes e afortunados; o mesmo sucedia com os camponeses, servidores dos nobres.
Gradativamente as sepulturas dos nobres, em torno da real, foram-se afastando.
Na VI dinastia os nobres já edificavam seus túmulos em suas próprias províncias. Chegaram a crer, os altos funcionários e governadores de províncias, que possuíam probabilidades de uma vida eterna, sem a necessidade de apegar-se ao faraó.
Os cemitérios provinciais imitam os das grandes cidades, ganhando vivacidade e variedade; e a centralização arquitetônica e artística seguem a política sócio-econômica do Primeiro Período Intermediário.
Os mesmos textos que anteriormente beatificavam o faraó, serviam agora aos nobres, dando-lhes maior força na teoria de se converterem deuses, depois de mortos.
As tumbas eram grandes e as inscrições adquiriam tonalidade de independência.
Bastava ter prestígio e ser rico para possuir um ataúde com inscrições e contar com a intervenção mágica da religião, para deificá-los.
O tribunal dos mortos era presidido por RÁ, o deus-sol, que iria 'medir o caráter' e não 'pesar a sua alma'.
Admitia-se que o homem podia chegar à morte com virtudes e defeitos, portanto.
Usavam títulos e epítetos reais.
COM A XII DINASTIA
tumbas tornaram-se modestas, em comparação com as reais.
Restabeleceu-se a tradição de construções piramidais em Lisht, Illahum, Dashur e Hawara, onde se inumaram
AMENENHAT I,
SENUSERT I,II,II e
AMENENHAT III.
Nota-se um considerável acréscimo do número de estatuetas de madeira dos servidores reais que acompanhavam o defunto.
Pela primeira vez aparecem aquelas figurinhas "ushebits" ( = os que respondem ), de pedra, de madeira e, recentemente, de argila.
"A função da 'shawabti' era erguer-se e 'responder' quando o morto fosse solicitado a trabalhar no Mundo Inferior :
'Ó tu, quanto chamarem para executar qualquer trabalho no mundo dos infernos, dize tu : Aqui estou !'
Numa ushebit catalogada no Museu Britânico (nº 49349), pertencente a RENSENB (XII dinastia), os animais dos hieróglifos têm as pernas cortadas para que não pudessem fugir".
( H.R.HALL - idem)
Algumas das centenas de 'shabits' de TUTANKHAMEN. - Museu do Cairo - |
AUGUST MARIETTE "observou que as múmias de Mênfis, as mais antigas, são quase negras, ressecadas, muito quebradiças, ao passo que as mais recentes, de Tebas, são amarelas e macias, com um brilho fosco".
( C.W.CERAN - idem )
Sob AMENHETEP III injetava-se sob a pele da múmia, ao nível do pescoço e membros, substâncias a dar-lhes a aparência de vigor e mais juventude.
AS MÚMIAS REAIS
têm um mausoléu reservado para elas no Museu das Antiguidades do Cairo. Lá podemos estudar e contemplar aqueles homens, deuses de outrora, como
MERENRÁ (VI dinastia), que se partiu em vários pedaços no seu translado ao Cairo,
SEKHERENRÁ-TAÁ (XVII dinastia ), múmia natural com seu maxilar esquerdo esmagado por uma clava de guerra e ferimentos sérios,
THOTMÉS III ( XVIII dinastia ), brutalmente despojada,
RAMSÉS II ( XIX dinastia ), que andou assustando turistas e guardas, que fugiram desabaladamente ao verem o rei levantando seu braço esquerdo, um dia.
Múmia da TIÝ, mãe de AKHENÁTEN e TUTANKHAMEN. |
Detalhe da múmia de YUIA, avô de TUTANKHAMEN. Perceba os detalhes do rosto, com seus cabelos quase penteados e um leve sorriso nos lábios. Ele dorme por 33 séculos.
Múmia de TUIA, mulher de YUIA, mãe da rainha TIY, esposa de AMENHETEP III. As múmias de YUIA e TUIA são as mais bem conservadas do Museu do Cairo.
Múmia da rainha TIÝ procedente da tumba KV55 |
O crânio foi esvaziado e enchido com resina, os olhos não foram bem cuidados, mas os dentes estão em bom estado.
Seu rosto é "sereno e meigo, nobre e distinto, com os lábios bem marcados... e nesse olhar sereno, a antiga fé do homem na imortalidade !" (H.CARTER)
Este é o faraó SETHI I : um grande guerreiro que chegou à Babilônia e lutou contra os hititas.
Morreu com 60 anos.
A morte fez dele seu próprio monumento, tão imortal quanto o renome de sua dinastia.
O estado de conservação de sua múmia parece miraculoso : os embalsamadores conseguiram retratar a sua personalidade. A boca, de lábios imperiosos, cala-se com eloquência. A energia parece inflamar a fronte arqueada e voluntariosa.
Ao vê-lo sentimos verdadeiramente que o espírito venceu a morte.
A múmia de RAMSÉS II, seu filho, foi encontrada sem o ataúde, mas sobre o corpo havia inscrições hieráticas contendo seus títulos reais e a informação que foi transferido várias vezes para outros jazigos, para escapar das quadrilhas salteadoras.
No Museu do Cairo a bicharia atacou a cabeleira do faraó e RAMSÉS teve de submeter-se a tratamentos com mercúrio, em Paris. Ali,ele foi recebido com honras de chefe de Estado. E ganhou até um passaporte :
Múmias de vários períodos, algumas de reis, rainhas e príncipes núbios. |
Quase todos os museus do mundo possuem múmias egípcias com particularidades interessantes : no Museu do Egito Antigo do Vaticano há uma múmia de mulher que traz em seu ventre um feto de 4 meses, "embalsamado e de novo colocado ali" [ a notícia foi para nós divulgada pela Enciclopédia BLOSH, ano 5, junho de 1971, nº 50 - com fotos ]. O museu seguiu o exemplo do grupo técnico do Dr. JAMES HARRIS e viu-se possuidor da mais valiosa múmia do mundo.
Múmia egípcia do Museu do Vaticano. |
E por que também não radiografamos a nossa "múmia de mulher" do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista ?
Múmia de mulher egípcia - Museu Nacional , Rio de Janeiro. [ desapareceu para sempre no incêndio do museu, em 2018 ] |
Na V Dinastia os egípcios chegaram a revestir inteiramente o corpo de seus mortos com gesso ; e daí vem o costume de se tirar a MÁSCARA MORTUÁRIA dos defuntos.
O Museu de Berlim tem uma belíssima máscara do faraó AMENHETEP III.
Através dessas moldagens eles confeccionavam a MÁSCARA FUNERÁRIA - é claro que eliminavam as rugas, os sinais de cansaço e velhice para demonstrar a visão da eternidade.
Pesquisas mais recentes indicam tratar-se do ataúde do faraó AKHENÁTEN.
Os ladrões desfiguraram o seu rosto arrancando o ouro da face desse ataúde, assim como a cártula contendo o seu nome.
Museu do Cairo. |
Museu Britânico - ataúdes e múmia. |
OS SARCÓFAGOS DO NOVO IMPÉRIO
apresentam súbita ruptura com o passado, nas formas e técnicas.
No começo da XVIII dinastia eram de madeira, conservando a forma de caixas do Antigo e Médio Impérios.
A rainha HATSHEPSUT introduziu uma inovação com um ataúde de pedra, embora conservando a forma e a decoração antiga.
Depois dela os féretros reais tornaram-se antropomorfos.
PERÍODO GECO-ROMANO
Durante o domínio grego, fabricava seus ataúdes com uma cartonagem de várias folhas de papiros amalgamados por espessa camada de borracha, geralmente cobertos de signos de valor histórico inestimável.
Não havia mais ouro em abundância para as máscaras funerárias ; então eles as faziam também de cartonagem de papiro e as pintavam com esmaltes.
Entre os anos 400 e 500 depois de Cristo, foram realizadas as últimas mumificações no Egito, que passou a ser província do Império Romano do Oriente.
Eles tentavam imitar a antiga técnica, empregando algumas substâncias resinosas para conservar o corpo.
Substituíam as máscaras funerárias pintando o rosto do defunto sobre a madeira do ataúde, ou sobre um pedaço de madeira, prendendo-a com as faixas que enrolavam a cabeça.
Esses retratos demonstram o desaparecimento da arte egípcia substituída por um tratamento artístico totalmente romano.
Máscara da múmia de ARTEMIDORUS, Século II dC. |
O LUTO
egípcio era determinado pela barba e cabelos do corpo, deixados crescer.
OS ANIMAIS SAGRADOS
tinham o mesmo destino dos corpos humanos : eram embalsamados e guardados em grandes criptas, cada qual na cidade onde era cultuado : os gatos nas criptas de Bubaste e Sakkara, os cinocéfalos em Tebas (cadáveres dourados em ataúdes de folhas de papiro), as íbis em Hermópolis, os crocodilos em Faium...
"Em 1882, perto de Beni Hassan - conta OTTO NEUBERT - encontraram um cemitério de gatos, mas suas múmias foram trituradas e empregadas como adubo."
A tumba dos bois ÁPIS tornou-se a mais importante : 400 m. de profundidade cavada na rocha.
Os sarcófagos de quartzo ou de granito vermelho ou escuro, polidos, são talhados num único bloco (com 3m. comprimento X 2m. de largura).
Lá estão os touros imaculados, os "Senhores do Ocidente".
AS 'ALMAS'
Ao falecer um egípcio, dele se desprendiam 4 espíritos ou almas :
o "ká", equivalente à força vital, em tudo semelhante ao corpo, mas incorpóreo - habitava o túmulo, alimentando-se das oferendas;
o "bá" , representado por um pássaro com cara humana, equivalente ao ser espiritual verdadeiro, ou seja o elemento da personalidade do homem, possuindo ação efetiva 'post-mortem';
o "ank", espírito efetivo ;
e "kow" ou "sekhem", a essência divina imortal : parte da personalidade efetiva do defunto tinha capacidade de assumir qualquer forma que desejasse, com maior liberdade de ação.
Podia tomar a forma de uma lótus, de um falcão ou de qualquer outro ser.
O Capítulo 76 do LIVRO DOS MORTOS se intitula :
"Fórmula para se adotar uma forma em que se deseje aparecer". ( ADOLF ERMAN - "Die Religion der Aegyptes", Berlim, 1934 ).
Porém era coisa limitada, temporária e não se tratava de metempsicose.
"Bá" |
A missão especial do "ank" era "empreender a viagem para o Outro Mundo e saborear as delícias do céu". ( JOHN MANCHIP WHITE - "Everyday Live in Ancient Egypt ).
Navegava no barco funerário, no leito subterrâneo do Nilo, navegando por regiões escuras invadidas por monstros e cruéis inimigos, caminhos obstruídos por gênios malignos e falta de ar.
Era uma empresa cheia de angústias e perigos. "Se o medo o constrangesse e tentasse recuar, seria capturado e devorado."
As formas pelas quais essas regiões eram figuradas estão bem desenhadas no Papiro de NEFER-HEMPET (XVIII dinastia ), proveniente de Gournah, adquirido em Tebas por M.JEAN CAPART, doado em 1900 por Madame PAUL ERRERA aos Museus Reais do Cinquentenário de Bruxelas.
Se chegasse ao fim, tinha que se submeter ao julgamento do Tribunal.
Pesagem da alma no Tribunal de Osíris |
O JULGAMENTO
Transposto dos obstáculos, com a ajuda das fórmulas mágicas rituais, a alma era pesada na balança sagrada de MA'AT, a Verdade. ANÚBIS ajusta a balança e THOT registra o resultado. OSÍRIS e seus 42 assessores (um para cada pecado que pudesse desclassificar o réu ), observa o julgamento.
Se a alma é impura, surge o devorador "Baba" ou "Babai", com cabeça de crocodilo, juba de leão, quartos trazeiros de hipopótamo, que mastigava a carne, triturava os ossos e bebia o sangue do infeliz, apagando sua alma.
Se pura, transformava-se em "khow" (= o luminoso), simbolizado por uma chama e possuindo a eternidade na Planície Celestial : o "Sokhit Ialou" (= Campo dos Sossegos) ou "Sokhit Hotpit" (= Campo do Repouso ), gozando de todas as delícias alí proporcionadas.
Este trecho deste papiro que agora vamos ler, pormenoriza as palavras que são ditas no tribunal de OSÍRIS :
'Ó OSÍRIS ! o escriba ANI, diz :
Meu coração minha mãe, meu coração minha mãe, meu coração meu vir-a-ser.
Possa lá nada ter para resistir-me ao (meu) julgamento;
possa lá não ter nenhuma oposição para mim dos Tchatacha (= os Tchatcha de OSÍRIS são os 4 filhos de HÓRUS ) ;
possa lá ter não separação de meu corpo o qual une e fortalece meus membros.
Possa tu virdes para o lugar da felicidade para o qual eu estou avançando.
Possa o Schemit (= funcionários divinos ) não causar ao meu nome má reputação e possa nenhuma mentira ser dita contra mim na presença do deus.
Bom, bom é isto para te ouvir ...'
THOT, o Juíz do Direito e da Verdade da Grande Enéade dos deuses, que estão na presença de Osíris, diz :
Escutem vocês este julgamento.
O coração de OSÍRIS tem verdadeiramente sido pesado e sua alma tem permanecido como uma testemunha para ele ; ele tem sido achado verdadeiro pela prova da Grande Balança.
Não tem sido achada qualquer maldade nele ;
ele não estragou as oferendas nos templos ;
ele não causou dano pelas suas façanhas ;
ele não pronunciou
maus relatos enquanto ele estava sobre a terra.
A Grande Enéada dos deuses respondem para THOT que reside em Khemennu (= Hermópolis ) :
Que isto que sai de tua boca deve ser declarado verdadeiro.
OSÍRIS o escriba ANI vitorioso, é puro e justo.
Ele não tem pecado nem tem ele feito mal contra nós.
Não deve ser permitido para o devorador AMEMET predominar sobre ele.
Oferendas de carne e ingresso para a presença do deus OSÍRIS deve ser concedida para ele, junto com um terreno para sempre, em Sekhet-Hetepu, como para os seguidores de HÓRUS.
Fala HÓRUS, filho de ÍSIS :
- Eu tenho visto para ti, ó Um-nefer, e eu tenho trazido até ti o OSÍRIS ANI.
Seu coração é justo e isto tem vindo da balança ;
ele não tem pecado contra qualquer deus ou qualquer deusa.
THOT tem pesado de acordo com o decreto pronunciado por ele pela Enéade dos deuses ;
e isto é mais verdadeiro e justo.
Conceda que bolos e cervejas possam ser dados para ele e deixe-o aparecer na presença do deus OSÍRIS e deixe-o ser como para os seguidores do HÓRUS para sempre.
E OSÍRIS ANI, diz :
Observe, eu estou na tua presença, ó Senhor do Amentet.
Não existe pecado no meu corpo.
Eu não tenho dito aquilo que não é inteligentemente verdadeiro, nem tenho eu feito qualquer coisa com um coração falso.
Conceda tu que eu possa ser um OSÍRIS grandemente favorecido do deus belo e amado, do Senhor do Mundo.
Eu que sou, na verdade, um escriba real que te ama, ANI, o vitorioso perante o deus OSÍRIS'.
A religião egípcia era nada mais que um negócio : trocavam rituais mágicos e esotéricos, agradando os deuses, para chegar ao Amenti por um caminho sem muitos empecilhos.
Após a pesagem da alma, o morto absolvido é apresentado por HORUS a OSÍRIS, ÍSIS e NÉFTIS. |
Não só a alma viajava ao Mundo Inferior.
Também o Sol, a maior das divindades egípcias, empreendia tal viagem noturna, semeada de obstáculos.
Teoricamente cada província teria sua doutrina sobre o inferno e o deus dos mortos.
O mundo da noite, a região infernal, mundo do terror e do mistério, onde se prepara e se ganha a ressurreição, é formado de 12 setores.
Sobre os muros de muitas tumbas reais, principalmente nas de MEN-MAAT-RÁ SETH (= SETI I),
PSINIT RAMSÉS (= RAMSÉS III),
SETH-MEREPTAH (= SETI II),
TJESERKARA AMENHOTEP (= AMENÓFIS II),
RAMSÉS VI e IX,
encontramos as "Litanias do Sol", que trazem este título : "Inicio do Livro da Adoração de RÁ no Amentit, para se recitar ao começo da noite ... leitura útil ao homem sobre a terra e até depois da morte".
As invocações da Litania se dirigem às 75 formas diferentes de RÁ.
A maior parte da decoração das câmaras é destinada às duas composições : "Livro de se conhecer isto que está na Touat" e "Livro das Portas" - ambos são consagrados ao estudo sistemático e minucioso das regiões infernais.
Tumba de SETHI I Nas paredes da câmara do sarcófago estão representadas as horas e os perigos da viagem pelo Nilo oculto. |
"Nessas concepções, o Sol, que aparece no Oriente, pondo-se no Ocidente, passa sob a terra durante a noite.
Outras correntes diferenciadas pelas principais escolas sacerdotais, ao contrário, diziam que a 'Touat' (= parte invisível do mundo) se encontrava bem próxima ao mesmo plano da nossa existência, encerrada nas montanhas.
O outro mundo começa à semelhança do próprio Egito : um rio reservado à barca solar, correndo entre duas margens onde se representavam as regiões e os habitantes de cada uma.
Com efeito a 'Touat' é composta de 12 regiões distintas, cada qual correspondendo a uma hora da noite : a primeira hora é uma espécie de vestíbulo, onde o deus abandona a barca que lhe serviu durante o dia e embarca em outra.
É a região intermediária entre o Mundo dos Vivos e o Mundo dos Mortos.
À segunda e terceira horas, a embarcação alcança os domínios do deus KENT-AMENTIT, na região de Ábidos.
À quarta e quinta horas, percorre dos domínios de SOKÁRIS (= 'os caminhos misteriosos de SOKÁRIS'), senhor das areias, deus menfita dos mortos.
Da hora sexta à nona, o sol atravessa as regiões de OSÍRIS e a parte Norte e Nordeste do Delta.
À hora décima, onde domina a água; à décima-primeira, onde domina o fogo (pertence a um mundo infernal chamado 'Agarit'). À décima-segunda, assiste-se ao nascimento do sol, forte e rejuvenescido.
A passagem por cada região sempre se apresenta como uma nova aventura ao deus-sol".
( JEAN CAPART - "Thèbes. La Gloire d'um grand Passé", Bruxelas, 1925).
Findo o dia, reinicia-se tudo novamente, num processo interminável...
Veja também :
http://jv-egiptologia.blogspot.com.br/2016/10/segredos-das-mumias-egipcias.html
Quando o egípcio transpunha a "Porta da Morte", sua alma via-se deslumbrada pela "plena luz do dia". Ainda assustada, ela desejava voltar ao corpo que acabava de abandonar. Mas os gênios encarregados de guia-la, arrastavam-na para longe do ataúde.
Palestra dos irmãos Vilela
in
"Mumificação e Medicina no Antigo Egito" - Revista Paulista de Medicina, maio-junho,77 / vol. 89 / nº 5-6 / págs. 115-124. Ilustrações de Eduardo Vilela.
Videos-documentários :
http://www.youtube.com/watch?v=ganPNUSQBFw
O VALE DOS REIS
A MÚMIA QUE GRITA
https://www.youtube.com/watch?v=1aVic3Y4hkg
Novembro, 2016 -
Arqueólogos espanhóis descobriram uma múmia faraônica milenar, "em muito bom estado", em uma tumba perto de Luxor, sul do Egito, anunciou neste domingo o Ministério de Antiguidades.
A descoberta aconteceu perto de um templo construído pelo faraó da XVIII dinastia Tutmés III (1479-1425 a.C.) no leste de Luxor, um museu a céu aberto a 700 km do Cairo.
"A múmia, muito bela, coberta por camadas de linho engessadas, está em muito bom estado", segundo o comunicado do ministério.
Ela foi encontrada em um sarcófago de madeira de cores vivas, em uma tumba que poderia ser do Terceiro Período Intermediário (1075 a 664 a.C.) e cujo proprietário seria um homem da nobreza, Amenrenef, que leva o título de "servidor da casa real", segundo o texto.
Luxor, cidade de 500 mil habitantes no sul do Egito, é famosa por seus templos faraônicos às margens do Nilo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário