sábado, 27 de junho de 2015

LITERATURA : O QUE PENSAVAM, O QUE DIZIAM E O QUE FAZIAM OS EGÍPCIOS - Jarbas Vilela




Já sabemos que a escrita surgiu primeiro na Mesopotâmia, através de caracteres cuneiformes :  eles escreveram em tabletes de barro com uma espécie de estilete, imprimindo os sinais na argila ainda mole.  Esses tabletes eram postos a secar ao sol.

No Egito, a escrita apareceu  na época de transição entre a Pré-História e a História  -  e quando surgiu já  possuía certos elementos que correspondem a uma avançada fase de escrituração.
No reinado de  DEM-SEMPT ,cujo vizir se chamava  HEMAKA,  já houve um certo progresso mas foi sob os últimos reis da I Dinastia que se fixaram as características próprias da forma egípcia de escrever.

Estamos falando de 3.100  aC..







A  LITERATURA


de todos os períodos, possuía   "Livros de Instrução", contendo ou reunindo conselhos de um pai à seu filho sobre conduta e comportamento morais.









ANTIGO  IMPÉRIO
 
 


 


A   INSTRUÇÃO  DO  VIZIR  PTAH-HOTEP

foi escrita nas últimas  15  páginas do  PAPIRO  PRISSE (publicado em 1847)   -  é  da V Dinastia,  e está redigida dentro dos padrões do Antigo Império.

Quando o vizir  PTAH-HOTEP pediu permissão ao rei  DIDKARA  ARSA  para instruir seu filho, a fim de que este pudesse ocupar seu lugar, o soberano lhe respondeu :


'Ensine-o a falar, primeiramente'.




hieróglifo em alto relevo de Ptah-Hetep



E esse é o título da obra :

'Princípio da expressão e da boa linguagem,
para instruir os ignorantes sobre a sabedoria, 
sobre as regras da boa pronúncia,
vantajosas para o que as cumpre e
desvantajosas para quem as despreza.

O homem sábio levanta-se pela manhã ,
com o espírito preparado e pronto para aprender ;
mas o néscio se levanta pronto para se distrair.

Se um filho aceita as palavras de seu pai (superior) ,
nada poderá temer ,
pois será estimado pelos funcionários.

O néscio não as escuta
e olha a sabedoria como ignorância :
faz tudo o que merece reprovação
e todos os dias se encontra em falta.

Sê um homem de importância ,
seguidor dos conselhos do teu senhor ;
torne bom o teu coração
e sempre o encaminhe para o bem.

Se és silencioso ,
isso mais vale que  'tet-tef' (= flores) ;
fala quando souberes resolver as dificuldades ;
abre tua boca quando tiveres coisas bonitas a dizer
- do contrário, guarda silêncio.

É verdadeiro artista quem pode falar no Conselho,
porque falar é mais difícil que qualquer outro trabalho.

Se és homem de confiança
a quem um grande homem envia a outro,
sê veraz e transmite a mensagem tal como ele te disse.
Nunca excedas a verdade.

Quando discutires ,
deves ser respeitoso com o superior
e tolerante com o inferior.
Trata ao igual com energia.

Mostra-te sempre a ti mesmo
e não guarda silêncio quando falarem mal.
Assim, tua fala será meritória para os ouvintes
e boa será tua reputação
na oposição dos funcionários.

Nunca deixes de lutar para melhorar.

Não sejas prepotente em tua sabedoria ;
não confies demasiadamente em ti ,
porque és sábio.

A sabedoria e a arte não têm limites que possam ser alcançados
e ninguém é senhor da perfeição.

A eloquência está mais oculta que a esmeralda.

Se és um chefe
que governa os assuntos do povo ,
tire o proveito que puderes ,
mas nunca faça injustiças.

'Ma'at'  é o castigo para o que não respeita as leis.
Pode ser que, com fraudes, ganhes riquezas 
-  mas 'Ma'at' dará a paga à tua covardia.

Se tiveres que ditar a conduta aos outros,
faz com que tua própria conduta seja irrepreensível.

Se és um a quem fazem petições,
tem calma e ouve tudo o que te quer dizer o pedinte.
Não o interrompas enquanto fala.
Ele gosta mais que prestes atenção às suas palavras
do que atendas o pedido.

Não é necessário conceder tudo o que ele deseja ...
uma boa audiência é reconforto para o seu coração.

Recompensa teus clientes
com aquilo que ganha a quem Deus favorece.
Assim, se ficares um dia necessitado ,
teus clientes te acudirão.

Se queres que tua conduta seja boa,
livra-te de todo o que é mau.

A avareza é enfermidade grave e incurável :
ela compra a intimidade
e destrói amizades,
faz mal ao pai e à mãe,
divorcia a esposa do esposo.

Grande vida possuirá o de conduta respeitável :
desse modo ganha riquezas.

Abaixa tua espada ante teu superior
- assim receberás o que devias receber.

Se te sentas à mesa
de alguém maior que tu,
toma o que ele te dá.
Ri e fala quando o fizerem
e serás grato ao seu coração.

Se és próspero,
assenta a tua casa
e ama a tua esposa sinceramente.
O  perfume e o vestido são feitos para o seu corpo.
Alegra-lhe o coração enquanto viveres,
porque ela é campo propício para seu senhor.

Oxalá te unas a mim no outro mundo,
com teu corpo são,
havendo deixado o rei satisfeito com tua conduta.

Oxalá vivas tantos anos como eu.
Não é desdenhável o que fiz sobre a terra.
Que chegues aos cento e dez anos de vida
que o rei me concedeu,
pelo meu justo proceder '

( in  JOHN A.WILSON -  "The Burden of Egypt", 1951 ).

 -  o negrito no texto é por minha conta  -






INSTRUÇÃO  DO  'ESCRIBA REAL DOS TRIGOS'  AMEN-EN-OPET

é do Século XX aC., está conservada no Museu Britânico desde 1888, foi publicada em 1925,  e acha-se envolvida pelo espírito do poderio imperialista do Egito.



     Entre um e outro transcorreram  1.500 anos ;  "PTAH-HOTEP  parece-nos irreligioso, extrovertido, inquieto e seguro de si mesmo..  AMEN-EN-OPET parece piedoso, apartado, tranquilo e sem exigências, de acordo com a piedosa resignação de seu tempo". #




AMEN-EN-OPET repete, praticamente os mesmos conselhos, mas de outra forma :

'Presta atenção !
Ouve o que se diz !

Não provoque batalhas com tua boca suja.

Não irrites ninguém com tuas palavras.

Espere uma noite, antes de responder ao teu ofensor.

Deixe o excitado entregue a si mesmo.

Quão feliz é o que chega ao Oeste,
quando está seguro da mão de Deus !'



A escritura e a literatura do Antigo Império nos proporcionam exemplos de caráter estático, formando uma linguagem clássica que teve uso oficial  25  séculos mais tarde.

Nas Dinastias V e VI, a linguagem primitiva já estava obsoleta e sobrevivia só em certas fórmulas arcaicas de textos religiosos e médicos.



O Papiro WESTCAR, conservado em Berlim, apresenta uma lista dos reis da IV Dinastia e uma idéia das desordens ocorridas no inicio da V... e traz também o conto  "Rei KHUFU e seus Mágicos", contado por seu filho  HORDEDEF (ou RADADF), cerca de 2.600 aC..
Sem dúvida alguma, um dos mágicos das histórias narradas realiza um truque que bem podemos aludir à história ocorrida no Mar Vermelho, por MOISÉS, milênio depois :


" DJADJA-EMANQUE murmurou um encantamento mágico sobre as águas do lago, graças ao qual conseguiu levantar metade da água e dobrá-la sobre o alto da outra metade.  O fundo do lago ficou assim revelado.  DJAJA-EMANQUE desceu, recuperou o broche perdido, murmurou outro encantamento e a água se desdobrou à sua posição anterior".



 




PRIMEIRO  PERÍODO  INTERMEDIÁRIO







Primeiro Período Intermediário deixou um respeitável volume literário que se manifesta aturdido e desesperado  :  reflexo de um mundo transtornado, outrora sólido e estável.

Nesse contexto estão as obras
INSTRUÇÃO  DE  MERI-RÁ   e as
PROFECIAS  DE IPU-WER  e  NEFER-ROHU.


'Verdadeiramente o país está transtornado.
O ladrão é agora quem se enriquece.

Todas as criadas respondem mal.
Quando suas amas lhes falam, ficam molestadas.

Os caminhos não são vigiados.
Os homens se ocultam, até roubarem o viandante descuidado.
É atado e morto sem motivo.

Os filhos dos nobres
são amarrados contra as paredes ;
os meninos andam abandonados sobre a terra.

Agora, as senhoras nobres são quem trabalham.

O que nunca dormiu sobre uma tábua
é agora dono de uma cama.

Os que tinham vestidos, andam em farrapos ;
e o que nunca teceu, possui panos finos.

Todos estes anos são de guerra civil.
Muitos são lançados no rio
e a correnteza é a sua tumba.
Os crocodilos se nutrem se suas carnes.

À quem poderei hoje falar ?
Sinto-me desventurado por falta de um amigo.

O pecado se assenhoreou da terra
e não tem mais fim.

Elefantina, o 'nomo' tinita
e o santuário do Alto Egito,
não pagam tributo.
O armazém real está despojado de seus grãos.

Os 'nomos' estão destruídos e os estrangeiros são muitos'

(  PROFECIAS  DE  IPU-WER )




'Este país está transtornado e ninguém sabe por que.
O que nunca aconteceu agora acontece.

Os homens tomaram as armas de guerra
e o país vive em confusão.

Ri-se de tudo o que é vergonhoso.
Eu te mostro o filho como inimigo e o irmão como adversário.

Todas as bocas estão cheias de  'ama-me !'
e todo o bem desapareceu.

Tiram as propriedades dos homens
e lhas dão ao estrangeiro.

Os administradores são muitos e os impostos pesados.

Poucos são os grãos e grandes as medidas.

A navegação a Biblos está paralisada.
Falta-nos ouro e cedro.

O que a pirâmide escondia foi roubado.

Os inimigos se levantam do Leste
e os asiáticos entram no Egito'

PROFECIAS  DE  NEFER-ROHU ).





Sob o governo de uma poderosa família local de  Heracleópolis  (no Faiúm),  as Dinastias IX e X   trouxeram ao Egito uma notável estabilidade e podemos considerar esse período como o da  literatura clássica egípcia, com uma produção bastante vigorosa.








MÉDIO  IMPÉRIO




Por uma série de cartas particulares, encontradas em Tebas,  escritas por  HEKA-NAKHT , um proprietário de comarcas em Mênfis e no Delta, obtemos informações acerca da vida familiar de  4.000 anos atrás, sob a  XI Dinastia  :

'Enquanto há inundação em nossa terra,
és tu quem a está cultivando.
Pobre de ti e de minha gente !  (...)


Tu és responsável por essa terra :
sê ativo nos cultivos e muito cuidadoso.


Vigia minhas provisões de grãos.
Vigia tudo o que é meu ,
porque te faço responsável por tudo.


Somente aos que trabalham deves dar minhas provisões.
Faz tudo o que podes, por minhas propriedades.
Esforces o quanto possas.
Se fores laborioso, rogarei a Deus por ti.

Olha, se  SNEFERU  (= filho caçula e mimado) está desgostoso,
cuida dele , pois me disseram que está descontente.
Abraça-o de minha parte  1.000.000 de vezes.
Se ele quiser cuidar dos bois,
já que não quer cuidar da terra contigo,
nem quer vir aqui comigo,
deixe-o fazer o que deseje.


Se puderes manter as coisas tranquilas, estaria muito bom.
HEKA-NAKHTE.'

 






As viagens ao  Punt , na Somália, sob a XII Dinastia, foi temática de maravilhosas histórias de aventuras,  como a  'HISTÓRIA DO MARINHEIRO QUE NAUFRAGOU' , muito parecida com a de  SIMBAD  das  "Mil e Uma Noites". 


"Relata as aventuras de um marinheiro egípcio que partiu num barco para uma expedição num país onde se achavam as minas de cobre do faraó. Durante a viagem ocorre um naufrágio, no qual morrem todos os cento e vinte integrantes da tripulação, descritos como os melhores marinheiros egípcios, com exceção do protagonista. Agarrado a uma prancha permanece três dias em alto mar, até alcançar uma ilha.
Nesta ilha habitava uma grande serpente de cores dourada e lápis-lázuli, que o recebeu e levou para uma caverna, sem atacá-lo. Esta serpente era a soberana da ilha, que se caracterizava por possuir grandes riquezas. A serpente comunica ao náufrago que dentro de quatro meses passará pela ilha um barco que o levará de volta a casa.
Quatro meses mais tarde, as palavras da serpente cumpriram-se. A serpente carrega o navio com as riquezas da sua ilha, como a canela, o marfim, as peles, óleos perfumados e macacos. A história termina com o regresso do herói ao Egito dois meses depois de ter partido da ilha."
 
O conto foi traduzido e editado na  "Litterature of the Ancient Egypt" -  ADOLF  ERMAN , Blockman.
O estilo é mitológico no sentido de acentuar a posição central do Egito no universo  sob  o efeito da religiosidade da época.
Registrado no Papiro GOLLENISCHEFF.
Museu Pushkin, Moscou.






Um papiro  escrito por  IKHERNOFRET,  apresenta o resumo de uma  peça teatral sacerdotal   -  'OS MISTÉRIOS  DE  OSÍRIS'  -  celebrada anualmente nos principais centro religiosos do país.

IKHERNOFRET recebera uma encomenda do rei  KHA-KHAN-RÁ  SENUSERT  para apresentar uma nova edição de um antigo texto, escrito na IV ou V Dinastia.
   [ Temos informações que essa teatralização ainda era representada em Ábidos, na XVIII Dinastia ].



Esta ÍSIS pranteando a morte de OSÍRIS, pode muito bem ilustrar uma atriz encenando
"Os Mistérios de Osíris".
Estatueta em terracota, da XVIII Dinastia.
 -  Museu do Louvre  -







O principal documento sobre a Ásia é a obra de  SINUHE , um funcionário da corte de  SEHETEP-AB-RÁ  AMENENHAT, que pertenceu ao partido político culpado da morte desse rei  -  mas não foi um dos conspiradores que atacaram o soberano.

Na autobiografia ele descreve sua fuga até as fronteiras orientais do Delta e seu medo de ser descoberto pelos guardas :

'Escondi-me em um barranco temendo ser descoberto pela guarda de serviço.
Ao  cair da noite, pus-me a caminho e às primeiras horas do dia, cheguei a um lugar chamado  Peten  e me detive na ilha de  Kenwer.
Aí me senti muito mal e me esvaeci de sede.
Estava extenuado ;  ardia-me a garganta e dizia-me : este é o gosto da morte !

Mais tarde despertei-me e tratei de reunir todas as minhas forças ao ouvir galope de animais que se aproximavam de mim.
Vi um grupo de beduínos.
Seu chefe, que estivera no Egito, reconheceu-me e me deu água e leite para beber.
Acompanhei-o até seu acampamento, onde fui muito bem recebido'.


SINUHE  continua sua narração e diz que andou de um país para outro até alcançar uma região da Síria, onde o  príncipe  AMMUANSHI  o convidou a ficar com ele.

'O príncipe concedeu-me autoridade sobre seus filhos e deu-me a filha maior em matrimônio'.

Passaram-se os anos e seus filhos tornaram-se valentes chefes de tribos.
AMMUANSHI  deu-lhe também o comando do exército.

SINUHE  descreve um desafio que teve por parte de um homem de força extraordinária, que lhe cobiçava as riquezas. Porém, lançou o grito da sua vitória.

Quando envelheceu, morria de saudades do Egito ;  mandou, pois, um mensageiro à corte de Faraó e este lhe respondeu.







Analogamente ao  TEXTO  DAS  PIRÂMIDES, a literatura continha figuras de linguagem de muito calor e recursos de estilo.

Um dos livros de  prudência do pai para o filho, repete variações da palavra  "ouvir" :  tem por finalidade incutir no rapaz o princípio de que, ouvindo os seus superiores, poderá obter ótimos resultados :

'Ouvir é proveitoso para quem ouve.
Se o ouvir entra no ouvinte, o ouvinte se converte num que ouve.
Ouvir é bom e falar é bom.
Mas o ouvinte tem uma vantagem :  ouvir é mais proveitoso para o ouvinte.
Ouvir é melhor que qualquer outra coisa'
(  JOHN A. WILSON  -  obra citada ).



A literatura religiosa está repleta destes casos, com estilos muito solenes.








NOVO  IMPÉRIO





Com o intercâmbio cultural criado com a expansão do império egípcio no Oriente Médio, a literatura passou a empregar inclusive nomes de deuses asiáticos,  como BAAL, ASTARTÉ, ANATH,  como metáforas de força e violência. 

A estrutura literária, agora, passa a ter um cunho militarista.

A descrição do príncipe  TUTMÉS, galopando veementemente com sua biga através do deserto, é típica da energia física da  XVIII Dinastia e do gênero descritivo de  Faraó :

'Disse  AMEN-RÁ,  Senhor de Karnak :

Tu vieste a mim, tu te alegraste, vendi minha beleza, filho meu, vingador meu,  MEN-KHEPER-RÁ, vivo eternamente.

Eu brilho por amor a você.
Meu coração se expande à tua bela vinda ao meu templo.

Minhas mãos fazem com que teus membros tenham vida e proteção, quão doce é sua amabilidade contra meu peito.

Eu coloco você no meu santuário.

Fiz coisas maravilhosas por ti :
dei-te poder e vitória sobre todas as terras ,
firmei tua vontade e o medo de ti em todos os países,
até aos limites dos esteios do céu'.


Este é o trecho inicial do  HINO DA VITÓRIA, que está numa estela na  Sala dos Anais do Templo de Karnak,  contando as vitórias de TUTMÉS  III .



M.KAZIMIERSZ , em  "Arte y Civilization de Egipto", aponta a deusa  SECHAT  como a protetora das crônicas e dos anais reais.






Em  Tel-el-Amarna, sob  AKHENÁTEN,  o idioma e a literatura foram vulgarizados, adotando tons familiares e às vezes gíria, que teriam horrorizado os puristas da  XVII Dinastia.

A maneira familiar de se exprimir foi introduzida nas inscrições e também nos monumentos.

Essa vulgarização já se manifestára muito antes, na inscrição de  KA-MOSIS  (fins da XVII Dinastia)  e nos  'ANAIS'  militares  de  MENKEPERRÁ  TUTMÉS.

Uma forte influencia estrangeira se manifestou no idioma, com a introdução de várias palavras asiáticas, entre elas :
"akunu"         (= jarro),
"maryanu"    (= guerreiro),
"migdol"        (= fortaleza),
"merkebet"   (= carro de guerra).
Até se criou um sistema novo de escrever palavras e nomes estrangeiros.

Contudo, os textos religiosos mais solenes de  Amarna  se esforçam em dirigir ao deus  ÁTEN  nos moldes tradicionais do idioma clássico.

Além disso, aparentam uma vivacidade que é uma característica completamente nova  ;  foi realmente uma época de rápida e vívida produção :



'Brilhante é a terra quando te ergues no horizonte,
Ó ÁTEN vivificante, que exististe em primeiro lugar !
Quando te ergues no lado leste do horizonte,
Enches toda a terra com tua beleza.

As  Duas Terras  diariamente rejubilam.
Levantam-se e se mantêm de pé,
porque tu as ergueste.

Banham seus membros, tomam suas vestes;
erguem os braços em adoração ao teu despontar,
pois tu és belo e reluzente, lá no alto.

Teus raios abraçam os países e tudo o que criaste.
As hastes começam a britar, quando beijas o solo.
Tu és RÁ e a todos seduziste.

Apesar de estares nas alturas, tua pegada é o dia !
Os barcos navegam a montante e a jusante;
cada estrada se abre porque tu despontaste.
O peixe, no rio, salta diante de ti,
e no mar os teus raios se esparsam.

Foste tu que criaste a criança na mulher,
que deste ao homem a geração ;
que a acariciaste para que não chorasse :
uma ama !, dentro do seio materno !

Quando ela nasceu do corpo,
no dia do seu nascimento,
tu a supriste com o que necessitava.
Deste vida para animar tudo que existe, com teu sopro.

Quando a avezinha brada, inda no ovo,
tu lhe dás ali mesmo o alento para a vida.
Ela sai do ovo para cantar com todas as suas forças,
corre sobre as duas patinhas, quando dele acaba de sair.

Fizeste as estações do ano para criar tuas obras;
o inverno para refrescá-las
e da mesma forma o calor, do verão.

Fizeste o horizonte longínquo para nele te ergueres,
para veres tudo aquilo que criaste,
enquanto estavas sozinho,
rebrilhante em tua forma, como ÁTEN vivificante,
despontando, brilhando, afastando-se e retornando.

Tu és brilhante, claro e forte !
Teu amor é grande e poderoso !'

( HINO A ÁTEN  -  AKHENÁTEN )






O PAPIRO  ALFRED  CHESTER  BEATTY, publicado por A.GARDNER,  contém os   'ENSINAMENTOS DO  ESCRIBA  ANI'  a seu filho, do final da XVIII Dinastia.
  [  A  Biblioteca Mário de Andrade, em S.Paulo, contém um exemplar dessa publicação  (LR 24 c 10). Vá conhecer !  ]






 
A literatura do fim do Império viu-se afetada pelas experiências e contatos novos, como já falamos, ao ampliar-se o horizonte do Egito, mas também com a formação de uma classe de empregados burocráticos, que cobriram as necessidades de um governo mais complicado.

Os textos revelam o conhecimento de países estrangeiros como lugares onde um egípcio podia viver e não como regiões de solitário desterro




Em suas formas mais sensíveis a literatura é atrativa, como a  'ALEGORIA  DA  CEGUEIRA  DA  VERDADE  PELA  FALSIDADE".





Esta época oferece  canções de amor  em que os amantes se chamam  de   'son'  (= irmão)  e  'sonit'  (=irmã)  -  e mesmo depois de se casarem, o homem continuava a chamar  'sonit'  e não  'hunit'  (= mulher) à sua esposa.

Apenas nos tribunais, segundo  DAVIES  -  "Neferhotep",  empregava-se  'son', 'hay' (= marido)  e  'hunit'.






Uma alegoria à sensualidade da mulher egípcia



O tema das canções é o do amor romântico ; o cenário o ar livre, os lagos, a paisagem e as plantas :

'Como é gostoso, ó meu irmão, ir banhar-me no lago,
para que vejas toda a minha beleza,
quando o fino linho da minha roupa
se ajusta, molhado, nas curvas do meu corpo.
Estou na água bem antes de ti
e regresso com um belo peixinho vermelho
escondido nas minhas mãos.
Ó meu irmão, vem e olha-me !




'Já faz sete dias que não vejo minha irmã !
Meu corpo foi tomado por indolência
e me esqueço de mim mesmo.
Se os melhores médicos me vêm examinar,
meu coração não se contenta com seus remédios.
O que me reviverá é que me digam :
- aqui está ela !
Seu nome é que me exaltará.
Minha irmã é melhor que todos os remédios.
Quando a vejo me sinto bem.
Quando a abraço, o mal que sinto desaparece.
Mas já faz sete dias que não vejo minha irmã !'
(  ALLAN GARDNER  -  "The Chester Bealty Papyri"





'Negra é a sua cabeleira,
mais negra do que o escuro da noite,
mais negra do que a baga do abrunheiro silvestre.
Vermelhos são os seus lábios,
mais vermelhos do que grãos de "vermelho",
mais do que tâmaras maduras.
Os seus seios estão bem plantados no seu peito'
(  GASTON  MASPERO -  "Études  Égyptiens).





'Vou deitar-me na cama,
fingindo estar doente.
Os meus vizinhos entrarão para me visitar.
A minha irmã virá com eles ...
Rir-se-á dos médicos,
ela que conhece a minha doença !'
(  PAPIRO  HARRIS  -  CANTO DE AMOR





Foi também o Egito que nos deixou a mais antiga fórmula do célebre conto da  CINDERELA :

'Era uma vez um falcão que roubou a sandália de uma linda jovem que se banhava no lago.
Ele a prendeu com seu bico e a deixou cair bem perto do faraó, que concedia audiência em seu jardim.
Com aquela tão pequenina e delicada sandália ele pôde conhecer a jovem, enamorou-se dela ... e a desposou'.






Um dos tons  literários mais frequentes consistia de um sentido cáustico de humor dirigido contra os inimigos do Egito, como se observa nos painéis das cenas de batalhas :

'Fiz que contemplassem tua Majestade' ...
... 'como um touro, de coração firme, chifres acerados, inabordável' ;

... 'como um cometa quando espalha suas chamas e lança para frente o fogo ;

... 'como um crocodilo, senhor do terror na água, inatingível' ;

... 'como um matador, que se ergue sobre o dorso de sua vítima' ;

... 'como um leão, quando os transformaste em cadáveres nos seus  'wadis'' ;

... 'como um falcão, senhor da asa, que agarra o que vê, segundo o desejo' ;

... 'como um chacal , Senhor da corrida, veloz, percorrendo as Suas Terras'.

( Extratos do "HINO DA VITÓRIA', em Karnak ).







A atividade literária do Período Raméssida é muito mais interessante ;  temos

poesia lírica

papiros de novelas , como a  'HISTÓRIA DOS DOIS IRMÃOS' , no PAPIRO ORBIGNY , descoberto em 1852,

papiro didático  -  'HISTÓRIA DO  MOHAR' : tratado de geografia sob forma retórica, publicado por  ALLAN H. GARDNER -  "Egyptian Hieratic Textes", Leipzig, 1911 ,


papiros religiosos , da lavra da confraria de  AMEN.



 
A  'HISTÓRIA DOS DOIS IRMÃOS'
"começa promissoramente como um paralelo egípcio da história bíblica de  PUTIFAR  e  JOSÉ.  Mas na história egípcia a mulher do irmão mais velho tenta seduzir, em vão,, o irmão mais moço, que se chama  BATA.
Como no caso da Bíblia, o homem inocente é punido em virtude das acusações da mulher desdenhada.
Dividido em duas partes  (a primeira, simples e realista),  assim que BATA se estabelece no Vale das Acácias, começam os milagres e somos regalados com a mais fantástica e interessante fantasia"
(  LION CASSON  -  "Ancient Egypt" - N.York, 1969 ).






Sob a XIX Dinastia os gravadores de inscrições começam a apresentar um trabalho mais relaxado:  os hieróglifos mudaram de aspecto, tornando-se finos e alongados.



Alguns papiros da  XIX e XX Dinastias trazem fábulas muito bonitas, como a  'HISTÓRIA DA PANTERA', do  PAPIRO  LEYDEN, escrito em demótico  e traduzida pelo egiptólogo   ADOLF  ERMAN :

'Era uma vez um leão nas montanhas, que possuía muita forma e caçava bem.
Os animais das montanhas temiam-no.
Certo dia, encontrou-se com uma pantera, cujo couro estava esfolado e a pele rasgada.
Perguntou-lhe o leão :
-  Como chegaste a esse estado ?  Quem esfolou teu couro ?
Respondeu-lhe a pantera :
-  Foi o homem.
-  O homem, que é isto ? ,retrucou o leão.
-  Não há nada mais astuto do que ele, o homem  -  disse a pantera.
Então, o leão sentiu rancor do homem e foi procurá-lo'.




'CRÔNICA  DEMÓTICA'
é o nome de um papiro conservado no Museu do Louvre que contém, sob a forma de profecia, uma visão do Egito sob os persas e seus últimos reis.
Fala de um salvador que viria da Núbia para libertar o Egito.
São fragmentos alusivos aos reinados das  XXVIII, XXIX e  XXX Dinastias, escritas sobre tabletes, por um sacerdote etíope do deus  HARSHEFI.





Temos, finalmente, 
'HISTÓRIA DO EGITO' , escrita em grego pelo sumo-sacerdote  MÁNETON  DE  SEBENITO, no reinado de  PTOLOMEU FILADELFO,  250 aC.,


'CONTO DE  RAMPSINITOS'  de  HERÓDOTO  ( publicado por  G.MASPERO - "Les Contes Populaires de l'Egypte Ancienne" - Maisonneuve et Cie., Paris, 1882 )


e papiros da  Época Romana
"contendo a história do   'BARCO SAGRADO DE AMEN E DOS TREZE ASIÁTICOS'    e  a   'LUTA PELA ARMADURA DO REI INAROS'formando ambas a   'SAGA DE  PETUBASTE'cuja figura central é o  PETUBASTE  DE  TÂNIS  que foi mencionado na lista de   ASSURBANÍPAL"
(  H.R.HALL  -  "The Ancient History of the Near East"- Londres, 1913 ).









Museu Egípcio de Turim
preserva vários papiros interessantes :



*    um deles, conhecido como  PAPIRO  REAL  DE  TURIM, demonstra uma cronologia  desde  MENÉS  a  RAMSÉS II , com o nome dos reis e a duração de cada governo.  O papiro , da XIX Dinastia, está bem fragmentado.

*    outro, da mesma dinastia, fala da conspiração do harém, no 35º ano do reinado de  RAMSÉS III.

*    o chamado  PAPIRO  DE  GRACEJOS  é, na verdade uma "revistinha ilustrada"  com  picantes silhuetas dos movimentos amorosos de um sacerdote com uma cantora de  AMEN-RÁ   -  esse papiro não fica exposto à visão do público, principalmente dos menores de idade.


   um outro papiro erótico também não visível , mostra cenas sexuais explícitas   -  ( se você é menor de idade não lhe é recomendado assistir esta  reportagem ): 

 

https://www.youtube.com/watch?v=7oZ_-RxIffs

 

 
 
Uma linda e erótica  'Cleópatra'  fumando narguilé.

Cleópatra foi uma rainha da Dinastia Lágida ; o Egito grego teve sete Cleópatras.
A última foi quem se envolveu com  JÚLIO CÉSAR  e  MARCO  ANTONIO.

O narguilé é um objeto criado pelos árabes : portanto nenhuma das Cleópatras fumou num narguilé.

Chama-se  anacronismo  quando se utiliza algo de outra época àquilo que se está retratando.










E, afinal,
COMO  ERAM  OS  EGÍPCIOS  NA  CAMA ?






http://brasil.elpais.com/brasil/2006/09/18/cultura/1158530401_850215.html










 


 
A moderna Biblioteca de Alexandria.
( The History Channel )



Clique aqui :
http://jv-egiptologia.blogspot.com.br/2015/06/os-escribas-e-as-escrituras-egipcias.html



 

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