A cosmogonia egípcia estava relacionada
com divindades formadas da natureza :
o céu, a terra, o sol, a lua e as estrelas.
Não existe um todo bem coordenado e conciso, sem lacuna ou duplo emprego na mitologia do antigo Egito.
Todos os povos do mundo primitivamente praticaram cultos religiosos rudimentares, pois acreditaram na existência de espíritos bons e maus : a eles atribuíram todas as características de uma alma humana, com astúcia, impulsos e perspicácia.
É claro que a mitologia egípcia não pode ser comparada com a de outras culturas e civilizações que se aventuraram por mares tempestuosos, por exemplo.
Seus deuses tiveram características totalmente diferentes daqueles venerados pelos egípcios.
Além das divindades da natureza, outros deuses foram acrescentados pela ética ou por considerações políticas - cada um contribuindo, com seus elementos, para a formação dessa cosmogonia.
O céu era imaginado como sendo uma deusa - NUT, algumas vezes retratada como uma vaca - TEFNUT, estendida sobre a terra e suspensa pelo deus-ar SHU, ou por uma cadeia de elevadas montanhas.
Sob seu corpo estava o oceano primordial - NUM, no centro do qual GEB, o deus-terra, repousava encurvado, com seu corpo semeado de plantas.
As águas desse oceano refletiam-se ou precipitavam-se também no mundo inferior, presságio da morte.
A barca solar e a barca noturna navegava igualmente nos dois mares, dando a entender que o sol nascia e se nutria da umidade.
O sol , o mais importante das divindades, recebia vários nomes e interpretações para as suas funções, muito variadas :
como disco solar, seu nome era ÁTEN ;
como sol nascente era KHEPER (representado como um escaravelho rolando diante de si o globo solar ) ;
como o sol em seu zênite, denominavam-no RÁ ( divindade suprema de Heliópolis ) ;
como um homem idoso, chamavam-no ATUM.
Mas também diziam HÓRUS e RÁ-HORÁKHTE , simbolizado pelo disco alado.
Diziam que o sol nascia todas as manhãs como um bezerro dourado, da vaca celeste ou da mulher celeste NUT, sendo por ela consumido ao anoitecer.
Imaginavam-no também habitando uma ilha do oceano celestial, onde as águas o banhavam cada manhã (à semelhança do Nilo, que banha as terras, deixando-as férteis).
Outros imaginavam-no como um ôvo, posto pelo 'Grande Cacarejador' ; nascera levantando vôo através do espaço cósmico.
A lua era considerada irmão do sol e filho de NUT.
Identificava-se com OSÍRIS ou com o deus THOT, da sabedoria, representado pela íbis ou pelo babuíno sagrado.
Também assumia outras formas como ACH e KHONSU.
As estrelas eram crianças, nascidas da deusa-celeste.
Serviam como cortesãs de RÁ : a estrela matutina, por exemplo, trazia-lhe seu desjejum e lavava a sua face, a cada manhã.
"O Egito fez obras duradouras :
as suas doutrinas e rituais parecem destinados a substituir tanto quanto os monumentos que construiu como limites à força do tempo e cuja duração ele quis perpetuar.
O preceito ou o conselho teocrático da abstinência em amor foi, provavelmente, o princípio dos próprios ritos.
Antes do desenvolvimento da inteligência, não se conheciam outras alegrias que não fossem as do amor.
Em regra geral para todos os povos, para alguém se apresentar diante de um altar, evitava-se tudo o que se encarava como uma nódoa.
Queria-se que o mal fosse impossível e que a devoção fosse demonstrada.
Mulheres depiladas e nuas dançavam diante do boi sagrado - e a nudez era exigida à função do sacrificador.
Atualmente, ao contrário, exige-se uma castidade toda especial.
A antiguidade procurou criar um símbolo da força criadora.
E o órgão da reprodução, em vez de parecer lembrar necessidades vergonhosas, tornou-se o sinal religiosamente consagrado dos favores celestes.
Entre os egípcios, no culto de ÍSIS, entre os assírios, caldeus, fenícios, gregos e romanos, o falo foi objeto de veneração popular.
Moças virgens carregavam um falo de grande tamanho no meio das procissões e das solenidades.
Assim, o órgão viril foi encarado como expressão enérgica do impulso que reproduz todos os seres"
( SÉNACOUR - "De L'Amour" ).
MIN, deidade egípcia cultuada em Kemis, no Delta do Nilo, e em Koptus, era representado por um homem itifálico : deus da fertilidade e dispensador dos poderes sexuais.
[Um aparte : RAMSÉS II tinha o costume de erguer colunas nas terras conquistadas. "Quando se defrontava com nações corajosas e ciosas de sua independência, fazia gravar uma inscrição com seu nome, o de sua pátria e a notícia de haver vencido aquele podo pela força das armas.
No país facilmente dominado, erguia inscrição semelhante, mas gravava sob esta as partes sexuais da mulher, como emblema da covardia daquele povo"
( HERÓDOTO - "História" - II,CII ). ]
DIODORO DA SICÍLIA diz que nas nações que vendiam caro sua independência, RAMSÉS II mandava gravar nas colunas o membro viril.
Os ritos no templo começavam muito cedo.
Mas, mesmo quando o sol já ia alto, o santuário - cômodo íntimo e particular da divindade, permanecia obscurecido.
O agradável odor das fumegações exalava-se por todos os recintos, inacessíveis a qualquer plebeu.
Durante as primeiras dinastias não havia poder sacerdotal : todos os padres obedeciam a ordem do faraó e eles praticavam ou fiscalizavam todas as profissões.
Esses sacerdotes, chamados 'sen' , desempenhavam papel importante, principalmente em Mênfis e Hermópolis ; faziam parte do terceiro membro do corpo hierárquico social.
Desde o começo da era dinástica, existiram três centros religiosos, de igual importância, disputando a supremacia de suas mitologias.
Proclamavam que cada um dos seus deuses principais era o criador do mundo e de todas as coisas, conforme veremos especificamente adiante.
Diziam possuir seus templos edificados na montanha primitiva.
Os sacerdotes de Heliópolis, dando à sua doutrina o nome de "Doutrina Real", disseram que "não só o seu deus RÁ-ATUM fora o primeiro rei do Egito como também o 'alter ego' de cada rei era uma personificação de RÁ-ATUM"
( JOHN MANCHIP WHITE - "Everyday Live in Ancient Egypt" ).
Quando o culto de um obscuro deus tebano ganhou proeminência, pouco se importaram com isso : acrescentaram-lhe o nome RÁ e o adoraram como AMEN-RÁ.
Não há provas definitivas nem visíveis de que o clero de Heliópolis instigasse ataques contra a guerreira cidade tebana.
Provavelmente os dois deuses foram associados por SENUSERT I, que edificou templos tanto para RÁ como para AMEN.
A primeira menção ao nome AMEN-RÁ se encontra no Museu Britânico, numa estela catalogada sob o nº 587, do reinado desse faraó.
Mas, cada localidade tinha seu deus principal, melhor dizendo, seu deus protetor - e os seus nomes geralmente correspondiam ao da cidade onde eram venerados :
BAST , de Bubaste ;
NEKHEBET, de Nekhet, etc..
O clero vivia dos sacrifício, dos presentes e das propriedades que o Estado lhe dava.
Os sacerdotes também possuíam uma espécie de harém - e me refiro aqui aos tebanos - uma 'Casa do Canto' , onde as 'amantes do deus' viviam indolentemente.
Alguns sacerdotes brigavam pela posse das moças mais bonitas.
Nas procissões, essas moças cantavam e dançavam na frente do cortejo.
Os homens que entravam para o sacerdócio recebiam o cognome 'uâbu' (= puro ).
Temos notícias de uma certa rainha que se deliciava em passar horas agradabilíssimas, banhando-se no lago com jovens sacerdotes.
O clero dos diversos santuários reuniam-se em um colégio superior de 12 pessoas e cada membro era chamado 'umnit'.
O colégio tebano, exemplificando, tinha à cabeça quatro 'hernú-neterú' : profetas que interpretavam a vontade do deus.
"Os textos do fim do Novo Império dizem que o deus fazia um signo visível, que consistia em um movimento da cabeça para a resposta afirmativa ou a imobilidade para a negativa.
É de presumir que a estátua do deus se movesse para responder uma série de perguntas que lhe dirigiam.
Os antigos não tinham a curiosidade nossa e podiam aceitar esse milagre como um meio adequado de conhecer a manifestação da divina vontade"
( JOHN A. WILSON - "The Burden of Egypt" ).
Por intermédio dessas estátuas mágicas, os sacerdotes acreditavam entrar em comunicação com o espírito do deus.
Temos vários exemplos dessas estátuas falantes também registrados em papiros.
Uma delas conversou com ALEXANDRE, conquistador do Egito, no Oásis de Siwa.
Os esotéricos vêem nessas estátuas um fenômeno de caráter mediúnico ; os egiptólogos, como artifício fraudulento de sacerdotes astuciosos.
Segundo as inscrições da estátua de BAKEN-KHENSON, o sacerdócio do Templo de AMEN era constituído de uma graduada escola de filosofia e teologia, com estas etapas :
'Purificador' - durante 4 anos,
'Pai' ou 'Servidor Divino' (12)
'Terceiro Profeta' (15)
'Segundo Profeta' ( ? )
'Grande Sacerdote de AMEN ' - durante 27 anos.
Em todos os colégios sacerdotais havia um 'kher-heb' ou 'khewy-hebet' ( = mestre das cerimônias ), que conhecia todo o protocolo e recitava o salmo de aclamação e glória diante do rei.
Por outro lado os 'unuyt' se ocupavam da adoração perpétua à divindade.
Alguns dos costumes sacerdotais estão descritos na "História" - II de HERÓDOTO :
"nos outros países os sacerdotes usavam cabelos compridos; no Egito raspam-no [os egípcios possuíam navalhas para essa finalidade ] e todo o corpo de 3 em 3 dias, para evitar que os piolhos ou outras parasitas os molestem enquanto estão servindo aos deuses. Lavam-se duas vezes por dia ....." e assim por diante.
O antigo egípcio imaginava que,
"...no princípio..."
o Universo era ocupado por um grande 'deserto inundado', chamado NUM.
Não tinha superfície e suas águas eram quase estagnadas.
Nele, em algum momento,
elevou-se a primitiva montanha
- e os sacerdotes de cada culto exigiam que cada um dos seus templos fosse erguido no lugar exato onde essa montanha surgiu.
Tudo isso tem um sentido figurativo envolvendo a inundação do Nilo :
quando a água baixou,
deixou a descoberto a primeira lama fertilizante,
como primeira promessa da vida anual do Egito.
Esse período foi designado como 'o Primeiro Tempo' - a idade em que o deus morava na terra e aí possuía seus reinos.
Foi a época em que governaram a terra os princípios de
'Ma'at' - justiça
'Akh' - beneficioso, vantajoso, glorioso
'Menekh' - eficaz, excelente.
Era natural a identidade entre nação e religião.
"O poder da religião é a primeira resposta à questão de saber como o Egito conseguiu realizar tão grandes feitos.
As práticas religiosas ofereciam as bases mais importantes para o seu desenvolvimento na arte, literatura, ciência, agricultura e ofícios.
No topo do panteão egípcio, entretanto, paira um deus
único,
imortal,
incriado,
invisível e
oculto nas profundezas inacessíveis da sua essência ;
fez tudo e se fez.
É o próprio deus, reservado ao iniciado do santuário.
Fora deste, revestia-se de mil formas diferentes, pois seus agentes, que não passam de atributos personificados, se tornam 'os deuses' visíveis para o vulgo"
( RENÉ MENARD - "Mitologia Egípcia" ).
Quem visitar um museu dedicado à arte egípcia encontrar-se-á diante de muitas
estátuas,
desenhos
e painéis de deuses,
de múmias ressecadas de aves, gatos, macacos e crocodilos, que foram objetos de veneração - pois os animais possuem muito mais astúcia, força e agilidade que o homem.
A estranheza e diversidade dos deuses eram apenas um espelho da estranheza e diversidade da própria vida e do homem.
Se os deuses eram maravilhosos, cômicos, frios ou assustadores, o mesmo ocorria com a vida.
Julgavam que o espírito divino englobava todas as coisas e propagava-se numa interminável variedade de formas animais e humanas.
Todos eram apenas diferentes aspectos de sua manifestação visível.
As questões do bem e do mal eram civis - não religiosas.
Quem se dirigisse com tato e delicadeza aos próprios deuses malignos SETH e SOBEK, poderia encontrá-los úteis e benevolentes.
Os deuses e deusas eram agrupados em famílias, como as humanas.
Tinham seus altos e baixos,
seus contentamentos e dissabores,
disposições e aventuras amorosas.
Com o advento da era dinástica, os sacerdotes de importantes cidades disputaram a supremacia de seu deus, como sendo o deus criador e organizador do mundo :
BUSÍRIS
Mitologia Busírica
OSÍRIS,
Senhor de Busíris,
sempre foi considerado como o primeiro rei do Egito,
o inventor dos instrumentos de agricultura,
o fundador da sociedade civil,
o criador das leis humanas.
Ensinou aos homens a arte de plantar e colher, sucedendo a GEB, como rei do mundo vivo.
ÍSIS,
sua irmã e esposa,
descobre a cevada e o trigo e
se incumbe da feminilidade das mulheres.
Mas quando OSÍRIS se ausenta do país, para levar aos outros povos os seus benefícios,
SETH,
seu pérfido irmão e alguns adeptos, planejam um falso júbilo por ocasião de seu regresso : SETH pretendia reinar em seu lugar.
Assim, convida-o para um banquete, onde sua perda estava premeditada.
No auge da festa, trazem um magnífico ataúde, excitante à admiração dos convidados - mas o ataúde continha as medidas exatas do corpo de OSÍRIS.
SETH promete dá-lo de presente ao que for capaz de envolvê-lo com o seu próprio corpo.
Quando OSÍRIS, sem nada suspeitar, entra no cofre, SETH e seus cúmplices se atiram sobre ele, fecham-no e o lançam no rio.
Desse modo morre OSÍRIS, com a idade de 28 anos.
Estatueta em bronze representando ÍSIS hatórica amamentando HÓRUS. |
ÍSIS encontrava-se em Khemis, quando soube da triste notícia.
Cobriu-se de luto e, em companhia de ANÚBIS ( filho de OSÍRIS e de outra sua irmã, NÉFTIS ), pôs-se a procurar o corpo do esposo.
Foi encontrá-lo nas costas de Biblos, completamente envolto pela casca de uma frondosa árvore.
Quando o reconheceu, precipitou-se sobre o corpo do marido dando gritos tão agudos, que um dos filhos do rei de Biblos morreu de terror.
Trouxeram o defunto para o Egito, ocultaram-no e saíram à procura de HÓRUS, futuro vingador do pai.
SETH, entretanto, descobrindo o esconderijo onde estava o corpo do irmão, corta-o em 14 partes, espalhando-as pelos diversos braços do Nilo.
Os membros esparsos foram recolhidos por ÍSIS e NÉFTIS, com excessão do falo ( segundo PLUTARCO ), que foram embalsamados por ANÚBIS ( = 'o guia dos caminhos' ).
HÓRUS, numa peleja com seu tio, enfraquece-lhe as forças, arrancando-lhe o membro viril.
"Em Ábidos (= adoradores, em árabe ), estava uma necrópole da capital Tinis, guardada pelo ANÚBIS, chamado 'Khet-Amentiu' (= cabeça dos ocidentais), o chefe dos mortos sepultados no deserto ocidental. Foi originário padroeiro da população do oásis de El Kharga, usando o nome de 'Am-U't' (= aquele que está no oásis) "
( H.R. HALL - "The Ancient History of the Near East").
Texto hieroglífico da pirâmide de UNAS |
"O Texto das Pirâmides fala que GEB, limpou o corpo do lodo, NUT readaptou seus membros e RÁ lhe ressuscitou, ordenando-lhe que se levantasse.
Segundo textos do Médio Império, RÁ enviara ANÚBIS do céu para cuidar do embalsamamento de OSÍRIS.
Em seguida, conforme um hino conservado no Museu do Louvre, ÍSIS feriu o ar com suas asas por cima da múmia e OSÍRIS recomeçou a respirar, erguendo-se cheio de vida"
( ÉTIENNE DIOTON - "Les Religions de l'Orient Ancient" ).
Belíssima criatividade e estilização da deusa ÍSIS alada. |
A lenda que acabamos de contar apresenta um duplo sentido teológico:
1 - OSÍRIS é o Sol, morto pelas trevas ;
A lua, ÍSIS, recolhe o que lhe é dado da luz dele e
HÓRUS, o sol nascente, vinga o pai, dispersando as trevas.
2 - Quando o Sol morre, reaparecer no horizonte sob a forma de HÓRUS, seu vingador.
Assim, na terra, o Vale do Nilo pertencia aos deuses bons ;
o deserto estéril, aos maus.
Afirma-se que outrora OSÍRIS descera sobre a terra, ao meio dos homens, sob o aspecto do mais vulgar dos quadrúpedes : o boi ( ÁPIS ) e sua mãe passava por virgem, depois de dá-lo à luz.
PTAH, a sabedoria divina personificada, revestia-se do aspecto do fogo celestial e fecundava a vaca.
ÁPIS era, pois, uma encarnação de OSÍRIS por vontade de PTAH.
As marcas que o novilho trazia deviam ser em número de 28 e quando morria era sepultado nos subterrâneos do Serapeu, em Sakkara - o domínio de SOKARIS, deus menfita dos mortos.
HELIÓPOLIS
Mitologia Heliopolitana
Embora seja a maior doutrina egípcia, não temos uma explicação bastante clara dessa crença.
Os documentos de Heliópolis, centro local do culto e o Texto das Pirâmides da V Dinastia, fazem ligeiras referências à criação do mundo, sendo esse o conhecimento global que possuímos de tal teologia.
Esclarece que o primeiro evento no processo criativo foi nascido de ATUM, surgido do vasto oceano primordial.
ATUM estava naquela ilha ou montanha primordial.
Seu nome significa que ele era Todo em si mesmo.
Criou-se e a todos os demais deuses.
Outros dizem que era filho de NUM ; é bem mais provável que tenha nascido por um simples esforço de sua própria vontade.
Em seu aspecto RÁ-ATUM, era simbolizado pelo pássaro 'bennu' ou fênix.
Nessa forma desceu à superfície do 'bembem' ( = cimo do obelisco - que representava um raio solar ), à colina da eternidade.
O principal inimigo de RÁ era a serpente APEP, que suscitava as tempestades e obscurecia o sol.
Outro aspecto era de escaravelho ( KHEPER ) , levantando o sol - 'ele que vem na existência'.
ATUM criou-se a si mesmo e aos deuses masturbando-se (segundo uns ) ou unindo-se conjugalmente com sua sombra (segundo outros textos).
Todos os seres e os deuses foram moldados com a lama fertilizante daquela ilha primeva.
ATUM é enunciado também como um deus bissexual, sendo chamado 'o Grande Ele-Ela'.
Deu origem a seu filho SHU, cuspindo-o e à sua filha TEFNUT, vomitando-a.
Esta tornou-se consorte de SHU e foram considerados sendo MA'AT - princípio da ordem mundial ;
SHU - princípio vital.
Ambos foram também criados naquela montanha.
Noutros textos, ATUM permaneceu nas águas de NUM, aí criando os seus filhos.
ATUM parece ter tido somente um olho, fisicamente separado dele e independente de sua vontade.
Dois mitos falam sobre esse olho 'udjat' :
1 - No princípio, SHU e TEFNUT, silenciosos sob a proteção de ATUM, separaram-se dele no deserto aquoso e escuro. Mas ATUM enviou o seu olho para vigiá-los. Quando retornou, viu-se substituído por outro, mais lúcido.
Como o primeiro olho se mostrasse enfurecido, compadeceu-se dele a divindade e colocou-o em sua fronte, onde poderia governar o mundo inteiro.
O olho passou a ser representado como uma deusa destruidora, assimilada a BUTO ou EDJO - a serpente levantada dos 'nemes', na forma de 'uraeus'.
2 - Quando ATUM foi reunido com seus filhos, o olho chorou de alegria e, de suas lágrimas, nasceram os homens. Depois disso, ATUM deixou as águas do grande NUM e criou o mundo.
Papiro moderno, vendido a turistas, representando a separação de GEB e NUT por SHU. |
SHU (o ar) e TEFNUT ( a umidade ) tornaram-se os pais de GEB ( a terra ) e de sua irmã e esposa NUT ( o céu ).
Estes tiveram 4 filhos :
ÍSIS e OSÍRIS, NÉFTIS e SETH.
HÓRUS, filho do primeiro casal e modelo dos faraós, foi em algum tempo chamado 'filho de Nut'.
Estas 5 deidades foram incorporadas pelos sacerdotes heliopolitanos, dando origem à sua enéada.
Devido aos vários cultos assimilados pelo clero heliopolitano, criou-se uma confusão sobre a origem de ATUM.
Como dissemos, foi considerado criador de si mesmo e também filho de NUM.
Isto pode ter acontecido numa tentativa dos sacerdotes-teólogos para incorporar ATUM a uma outra lenda, que atribui a criação do mundo a NUM - identificado ao Nilo.
Textos informam que HÓRUS era filho de GEB e NUT e que, juntamente com os 4 irmãos, foi responsável pela procriação das 'multidões na terra'.
NUT também aparece cognominada 'mãe das deusas' e 'a que levanta RÁ a cada dia'.
Os sacerdotes consideravam-se os representantes terrenos de GEB e NUT.
O rei PEPI declara ter sido engendrado por ATUM, antes mesmo 'da criação da terra, do céu, dos homens, dos deuses e da morte'.
Noutro trecho diz ser 'filho de NUM, antes da criação do céu, da terra, da desordem e medo trazidos pelo olho de HÓRUS'.
Isso tudo mais parece uma imagem poética ou uma espécie de encantamento mágico que assegurava a origem divina dos faraós e sua segurança na viagem ao outro mundo.
Assim rezam os textos que chegaram até nós :
RÁ de Heliópolis passou a ser o deus-sol por excelência e, com isso, tomou o poder de ATUM, o deus criador, combinando-se com ele sob o nome de RÁ-ATUM e sincretizando-se com muitas outras divindades :
AMEN-RÁ ,
SOBEK-RÁ ,
RÁ-HORAKHTE , etc.
MÊNFIS
Mitologia Menfita
No início do período histórico, as " Duas Terras " foram unidas por NARMER ( chamado "Mena", pelos historiadores gregos ).
A 'Cidade das Muralhas Brancas', Mênfis, foi construída como nova sede do governo centralizado, em lugar de Tinis ( capital das 3 dinastias iniciais ).
PTAH -
'Senhor do Destino',
'O que Abre',
'Artífice Divino' ,
seu deus supremo, foi declarado sendo o criador do mundo e de todos os demais deuses da enéada, suas manifestações.
Estátua de PTAH, em pedra. |
A Pedra Shabaka, fonte do nosso conhecimento neste assunto, estabelece que PTAH foi o que se sentou no 'Grande Trono', identificando-se ao 'Grande Deus' que, semelhante à 'Grande Mãe', foi adorado em todo o Egito, talvez como uma divindade fertilizante.
PTAH foi declarado ser NUM, 'o Pai', criador de ATUM e de NAUNET ( forma feminina de NUM ), 'a Mãe'.
PTAH foi considerado o estabilizador da ordem moral e do poder real.
PTAH foi o 'coração e língua' da enéada.
O coração e a língua eram tidos como
sede do espírito,
inteligência e
comando do poder.
ATUM, na teologia Menfita, era um simples agente da vontade de PTAH.
Foi ATUM quem, dando uma palmada diante de SHU, que este vomitasse TEFNUT.
Isto parece estar ligado com 'coração e língua', aspectos do desejo criativo do Supremo.
HÓRUS, seu outro aspecto, segundo a Pedra Shabaka, era o dirigente da terra, responsável por sua união e associação com o nome de 'Tatenem' (= nome de Mênfis, dado por PTAH ).
Isto equivale a dizer que PTAH não somente criou a terra, mas também ele era a terra, a primitiva montanha.
Os sacerdotes queriam, com isso, conferir a exigência heliopolitana que dizia ser o seu templo edificado sobre tal montanha.
Por outro lado os menfitas aparentam certa cautela quanto às personificações do Supremo.
ATUM, numa variação do sistema, foi exilado por vontade de PTAH, por HÓRUS ( que era o 'coração' ) e por THOT ( que era 'a língua' ).
Ele colocou os deuses, aspectos de sua vontades,
nos lugares onde render-se-lhe-iam cultos ;
fundou suas relíquias,
criou todos os materiais de suas existências e
formou as imagens pelas quais seriam adorados.
Admitidos dessa maneira, se contentaram em governar com o seu criador.
PTAH
estabeleceu também as cidades,
deu origem aos nomos ( 'spat' )
e à ordem política.
Por ter criado tudo de maneira perfeita e verdadeira, passou a ser chamado de 'Senhor da Verdade'.
Com a proeminência do culto de OSÍRIS, sob a XIII Dinastia, os sacerdotes aceitaram associar-se com esse mito e declararam ser Mênfis o lugar do afogamento e enterro de OSÍRIS que, como PTAH, ensinara as artes à civilização nilótica.
HERMÓPOLIS
Mitologia Hermopolitana
Em Hermópolis,
cidade do Alto Egito,
uma distinta doutrina foi aceita e proclamada.
Temos aí um grupo de 8 deuses :
NUM e sua esposa NAUET ,
HUSH e sua consorte HAU ,
KUK e sua mulher KAUBET ,
AMEN e AMAUET.
Juntos, criaram o mundo e reinaram no período considerado como "idade dourada".
Após governarem um certo tempo e completarem o trabalho de criação, os Oito morreram e foram morar no outro mundo.
Seus poderes, contudo, continuaram a exercer a inundação do Nilo e o nascimento solar diário.
Dois deles, NUM e AMEN, figuram em outras cosmogonias.
Podemos considerar essas divindades como em número de quatro, representando ou personificando elementos na criação ; etimologicamente os nomes possuíam a seguinte interpretação :
NUM - a água,
HUSH - o infinito, a eternidade,
KUK - a noite, as trevas,
AMEN - o ar, o invisível e o mistério.
NUM foi descrito como 'deserto de águas', caótico e escuro;
AMEN, a força vital, o essencial - que pôs o oceano em movimento.
Na arte, essas 4 deidades masculinas foram desenhadas com cabeças de rãs e as 4 femininas, com cabeças de serpentes, pois a tradição hermopolitana os comparou com vidas anfíbias.
Elas também criaram-se a si próprios na lama deixada pelas inundações.
O templo de Hermópolis ligava-se ao lago sagrado, designado 'Mar das Duas Facas' ou 'Ilha das Chamas' - referindo-se à primeira montanha : um local de grandes peregrinações e centro ritual.
Quatro variações do mito criativo mostram como Hermópolis esteve ligada a esse lago e a essa ilha :
1 - O mundo foi originado de um ovo cósmico, botado no espaço pelo ganso celestial, quebrador do cósmico e conhecido como 'Grande Cacarejador' - o ovo botado na primitiva montanha, continha o pássaro da luz, RÁ, que foi o criador do mundo ;
2 - O ovo foi botado pela íbis THOT, deus da lua e sabedoria ;
3 - Uma flor de lótus rosada brotou das águas do 'O Oceano das Duas Facas' - quando desabrochou sua perfumada corola acima das águas, deixou sair o sol, sob a forma de um menino ou criança divina, que era RÁ ;
4 - A lótus, ao abrir-se, revelou um escaravelho, que transformou-se em um frágil menino. Como toda criança ao nascer ele chorou e suas lágrimas, ao tocarem o solo, transformaram-se em homens.
Isto foi uma maneira de dizer que os homens eram filhos de RÁ : 'Da lótus criada pelos Oito, nasceu RÁ, criador de todas as coisas humanas e divinas'.
Parece que esses mitos foram facilmente conciliados dando origem, mais tarde, a lendas cheias de poesia, frescor e humor.
TEBAS
Mitologia Tebana.
O deus principal de Tebas,
sede centralizada dos governos do Novo Império,
foi AMEN,
uma invisível força dinâmica.
Ele absorveu o antigo culto ao deus indígena MONTH, identificado com a lua, governando em seu lugar.
A doutrina tebana acrescentou-lhe aspectos dos demais deuses criadores, fixando em Tebas o lugar da primeira água de NUM e da primeira terra, a montanha.
Tebas foi fundada dando origem ao mundo e ao gênero humano.
Tebas era o 'olho de RÁ' que inspecionou todas as demais construções, como o 'olho de ATUM' inspecionára SHU e TEFNUT.
Estatueta, em ouro, de AMEN. - Museu Metropolitano de Arte de N.York - Apesar de ser 'o oculto' , 'o invisível', foi representado nessa aparência. |
AMEN criou-se a si próprio :
jamais teve pai ou mãe,
era invisível,
nascido secretamente.
Se outros deuses existiam é porque ele os criara.
O PAPIRO LEYDEN , do Novo Império, proclama :
'Todos os deuses são três :
AMEN,
RÁ e
PTAH
e não há um segundo deus.
'Oculto' é o nome de Amen ;
seu rosto é RÁ
e seu corpo é PTAH.
Só ele é AMEN, como RÁ e como PTAH :
os três juntos'.
Está aqui, diretamente do Antigo Egito, a concepção de um deus, com três pessoas.
Assim, ele alcançou todas as cosmogonias, com aspectos ou fases da sua atividade criativa :
ele mesmo foi a grande enéada dos Oito,
foi o 'Tatenen' - o primitivo monte de Mênfis.
AMEN deixou a terra e foi morar nos céus, como RÁ.
Tornou-se AMEN-RÁ.
Como RÁ ou HÓRUS, seu olhar ilumina a terra.
Tomou a forma de uma criança, nascida das pétalas da lótus.
Como THOT ,era a lua.
Foi a força vital que ativou NUM adormecido, o ciclo criativo.
Os sacerdotes tebanos também diziam ser sua cidade o lugar do nascimento de OSÍRIS, porque nesse tempo OSÍRIS alcançou grande popularidade, sendo associado ao 'bom deus' da casa real, o faraó, e à fertilidade da terra.
AMARNA
Mitologia Amarniense.
A cidade de Tel-el-Amarna,
a antiga Akhetáten (= 'Lugar da glória de ÁTEN' ),
foi edificada sob a administração de AMENHETEP IV,
como sede de seu governo,
onde ergueu o templo de sua divindade :
ÁTEN.
O deus ÁTEN abençoando a família real de Amarna. - Museu do Cairo - |
Parece que o acontecimento central de seu reinado não foi idéia totalmente sua :
a veneração a ÁTEN, o disco solar, havia crescido no favor da corte durante os últimos anos do reinado de seu pai ; AMENHETEP III e a rainha TIÝ veneravam ambos, tanto a ÁTEN como a AMEN-RÁ e outros deuses.
AKH-EN-ÁTEN (= 'Agradável ao disco solar'), proclamou que apenas uma divindade existia realmente, uma força celeste desconhecida que se manifestava através do disco visível, o ÁTEN de RÁ.
A palavra "áten", anterior a ele, havia significado o disco físico do sol, sede do deus, mas não um deus em si mesmo.
AKHENÁTEN não adorava meramente o disco solar, mas o venerava como a visível emanação da divindade, que dispensava calor e vida a todos os seres viventes humanos e animais e era a fonte de vida da terra.
No inicio do reinado de seu pai, AMENHETEP III, um pequeno templo dedicado a ÁTEN se ergueu em Tebas, antes mesmo da revolução amarniense - e este deus vivia em relações harmoniosas com AMEN.
O templo possuía seu
'Grão Mordomo do Templo de Áten' : RÁ-MOSIS,
'Escriba do Tesouro do Templo de Áten' : PEN-BUY
e outros cargos não menos importantes.
De maneira análoga, o deus OSÍRIS não havia sido desprezado por ÁTEN e uma lápide sepulcral representa um egípcio defunto adorando a OSÍRIS, sentado em seu trono, rogando-lhe para sair da tumba 'como um 'bá' vivente, para ver a ÁTEN sobre a terra. Tu te levantas como RÁ sobre o horizonte ; ÁTEN é teu disco e tua forma'.
À diferença de AMEN, 'o oculto' , cujo santuário constituía a parte mais interna, escura e reservada do templo, só podendo acercar-se dele as pessoas autorizadas, mediante um ritual adequado, o templo de ÁTEN era aberto - de modo que podia ser adorado à vista de todos.
À semelhança de AMEN, ele era invisível.
Se fosse aparente, não existiria, pois a aparência é criada, desde que foi manifesta.
Por ser invisível, sempre existiu, fez tudo aparecer sem se mostrar. E tudo manifesta sua aparência.
'Só o pensamento vê o invisível, porque é também invisível' - PAPIRO DE APIÚ.
Seu único antropomorfismo eram as mãos que se prendiam ao final dos seus raios vivificantes, manancial e sustentador da vida e de todo o Universo.
ÁTEN era tratado como um governante e seu nome ritual se escrevia em um "cartouche" , como os faraônicos.
No inicio desse culto os nomes oficiais do deus foram :
'SHU que está no disco solar de ÁTEN'
'RÁ , dominador do horizonte, que se alegra sobre o horizonte e seu nome de RÁ'
'O pai que provém do disco-sol de ÁTEN'.
Não ao certo, se o culto de RÁ foi autorizado pela mitologia amarniense.
Faraó, contudo, continuava intitulando-se 'Filho de RÁ' e usando a serpente "uraeus" na fronte.
O título do sumo-sacerdote de ÁTEN era 'Chefe dos Profetas' - o mesmo usado pelo sumo-sacerdote de RÁ.
O mais importante a observar é que a religião de AKHENÁTEN reconhecia dois deuses principais : ÁTEN e RÁ.
Quando dizemos "Revolução Amarniense" estamos nos referindo especificamente aos desdobramentos de radicalismo religioso realizados por AMENHETEP IV, depois que se tornou co-regente do trono na festa do jubileu de AMENHETEP III, ocorrida no 27º ou 30º ano do reinado deste faraó.
Do 5º ano do reinado de AMENHETEP IV datam as estelas da fundação da cidade de Akhetáten ; no ano seguinte AMENHETEP IV passa a denominar-se AKHENÁTEN.
ERA OU NÃO ERA MONOTEÍSTA ?
O grande problema está em descobrir se AKHENÁTEN era ou não monoteísta, no sentido exato do termo.
"Levanta-se ainda a questão de o monoteísmo de AKHENÁTEN ter sido a origem do monoteísmo judaico, adquirido durante o cativeiro dos hebreus no Egito.
É tentador imaginar que os hebreus tenham levado o monoteísmo de AKHENÁTEN com eles para o Sinai, e assim ter a clarividência espiritual de AHKENÁTEN, tão desastrosamente inoperante em sua própria época, se tornado por fim a fé do mundo ocidental, mas temo que isso não passe do sonho de um historiador.
A maior parte da literatura judaica tem um caráter muito mais mesopotâmico ou babilônico do que egípcio.
Infelizmente, o cativeiro de Israel no Egito parece não ter deixado quaisquer marcas nos egípcios.
Não há sequer a menção de um vizir semita chamado JOSÉ, nem das 10 pragas, nem de MOISÉS - nem uma só alusão."
( KENNETH CLARK - Seleções, setembro 1975 - págs. 33/34).
O rei DIDKARA ARSA da V dinastia, tinha por vizir um homem muito sábio e filósofo : chamava-se PTAH-HETEP.
Estas máximas foram escritas por ele, em 2.300 aC. e figuram nos últimos 15 capítulos do Papiro Prisse :
'Abre tua boca quando tiveres coisas bonitas a dizer ; do contrário, guarda silêncio' / 'Não sejas prepotente em tua sabedoria. Nunca despreze os que sabem menos que tu, porque em muitas ocasiões os ignorantes podem ensinar os sábios' / 'A sabedoria e a arte não têm limites para serem alcançados e ninguém possui a perfeição' / 'Se tiveres que ditar a conduta aos outros, faz com que a tua própria seja irrepreensível'.
Boa noite, há algum e-mail p entrar em contato com o autor do texto? Gostaria de tirar uma dúvida se possível. Obrigada
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