quarta-feira, 24 de junho de 2015

OS ESCRIBAS E AS ESCRITURAS EGÍPCIAS - Jarbas Vilela






SABER  LER E  ESCREVER  :
 
ISTO ASSEGURAVA UMA BOA VIDA !










Do Antigo Império em diante, qualquer pessoa que aspirasse fazer uma carreira na administração pública, tinha que saber ler e escrever  -  isto assegurava uma boa vida  e  criava a classe dominante.






Escriba sentado  -  Museu do Cairo.









Na  'Casa da Vida'  se ensinavam as ciências, desde a Astronomia até a Teologia.
Ela pertencia ao Templo e estava sob a responsabilidade dos sacerdotes.

A iniciação era indispensável para qualquer carreira :  tudo dependia de ser ou não ser um  escriba.
Um deles, do Médio Império, descreve seu pavor diante de uma condição camponesa :



'Esqueceste a situação do lavrador, depois que tomaram o dízimo de sua colheita ?
Os vermes destruíram a metade de seu trigo e os hipopótamos comeram o resto.
Seus campos são infestados por legiões de ratos, devastados por gafanhotos, gado e passarinhos.
Se o agricultor deixa um instante de vigiar sua colheita, ela é pilhada pelos ladrões.
Mas isto não é tudo ; eis que é necessário substituir o metal da enxada ao cabo, as correias que seguram os maços de feno,  ...   eis que o boi está morto no arado ...'



'Ser escriba  -  põe isso em teu coração.
Um livro é mais útil que uma casa construída, que túmulos no Ocidente.
É mais belo que um castelo edificado, que uma estela num templo.
Há, aqui, alguém que valha  DJEDEFHOR  ?
Há, aqui, alguém que valha  IMHOTEP  ?
Não há, em nosso tempo, um homem como  NEFRI  e  AKHTI, que é o maior.
Digo-te o nome de  PTAH-DJEHOUTI  e de  KHAKHEPERRÊ-SENB...
Existe um homem que valha  PTAH-HOTEP  ou  KÄIRES ?'




'Sê escriba :
 A vida do escrevente do governo é preferível a qualquer outra.
 Tu te cobrirás com uma túnica branca e dirigirás o trabalho dos outros.
Escreve, discute com os que sabem mais que tu...
Para seres forte é preciso exercitar-te cada dia...
Se tens um só dia de negligência, serás vencido.
Ele só escuta aquele que o vence.
Deixa teu coração escutar minhas palavras : aproveitarás com isso.
Aos macacos ensina-se a dançar.
Adestram-se os cavalos.
Agarra-se o milhafre no ninho.
Faz-se voar o falcão.
Não esqueças que se progride discutindo.
Não negligencies as escrituras.
Escuta, com o coração, minhas palavras e achá-las-ás proveitosas...
 Lembra-te dos teus antepassados cujas tumbas estão abandonadas ;  mas ainda se pronunciam seus nomes por causa dos livros que fizeram.
 Suas memórias perdurarão até os limites da eternidade.
 Sê escriba e teu nome poderá ter sorte idêntica '.

(  Conselhos de AMENMOSÉ )







A primeira dificuldade a vencer era aprender mais de 700 caracteres diferentes e empregá-los com destreza.

A linguagem escrita era chamada  'as palavras divinas'  e por elas tinham veneração, por ser a fonte primitiva de todo conhecimento.


Já dissemos em outra postagem que o escriba poderia tornar-se
uma autoridade em leis,
na diplomacia,
nos impostos ;                                                                                                                                           ser engenheiro,                     
arquiteto,
funcionário maior do Estado,        
comandante,
general,
nomarca,
embaixador,
escrevente real,
procurador provincial,
médico,
sacerdote,
superintendente de celeiros e de terras,
capitão náutico  e
juiz.
Podia negociar em outras  nações e mesmo tornar-se vizir de Faraó.


Alguns escribas desposaram damas de sangue real, aparentando-se com os reis.





'É o escriba quem impõe e cobra as taxas no Alto e no Baixo Egito ;  é ele quem faz as contas de tudo.
Todos os exércitos dependem dele.
É quem conduz os magistrados ao encontro do faraó e determina a passagem de cada homem.
Enfim, é ele quem comanda o país inteiro ; todo negócio está sob o seu controle.
... andar de cabaré em cabaré, com o odor da cerveja acompanhando cada um de seus passos ...  a primeira das profissões !'






Quando entrava para a  'Casa da Vida', o aprendiz rascunhava suas frases em placas de barro, com um estilete de caniço, ou ainda, em cacos e placas de pedra, que os egiptólogos chamaram de  "ostraka" ou  "ostrakon".
O papiro devia ser muito dispendioso para ser utilizado pelos rapazes principiantes.

Texto demótico escrito sobre uma  ostraka.



O escriba redigia sobre folhas de  papiro, geralmente.
Papiro é uma planta da família das  ciperáceas  -  nome que  WILLDOW  deu a um grupo ou secção do  "cyperus", chamado "encyperus"  por  STEND.







 
A  'caneta' egípcia  era constituída por estes três componentes.






Carta do escriba  MÊHI  (1.300 Ac.) :

'Envia-me por  MERIMÉS, rolos de papiro e tinta muito boa.
Nada lhe dê que não seja de primeira qualidade.
Escreve-me e passa bem !'







Hoje se fabricam papiros para serem vendidos aos turistas como souvenirs : são manipulados como na época dos faraós.. 
Nas lojas, abundantes pelo Cairo e noutras cidades, se demonstram as técnicas do seu fabrico  -  o que é muito curioso para se ver e aprender.


WMV








Com 5 ou 6 m. de altura, tronco triangular e liso, terminado por um  "penacho" em sua extremidade superior, a planta do  "cyperus papiros"  erguia-se orgulhosa e luxuriante nos pântanos do Nilo, chegando a atrapalhar a navegação.

As finas camadas que formam a casca eram cortadas e postas a secar ao sol ; depois estendiam-nas umas sobre as outras, como a trama de um tecido e eram  'coladas'  com a própria água limosa dos pântanos.

Finalmente eram prensadas e 'envernizadas'.





Assim preparados, resistiram ao poder destruidor do tempo e permaneceram milagrosamente conservados nas areias do deserto, importantes rolos de papiros.






Dessa planta os egípcios também se alimentavam e a utilizavam na fabricação de
cestos ,
sandálias ,
caixas ,
cordas para navios ,
peneiras ,
tecidos ,
barcaças de passeios e
palha para assentos.




Os gregos denominavam  "biblos"  à folha  de papiro (= papel).   Assim temos  "biblon"  =  livro  e  "bíblia"  =  livros.

Os gregos puseram-lhe esse nome porque o conheciam provindo de  Biblos, importante cidade da Fenícia e principal centro distribuidor do papiro egípcio para os comerciantes do Mediterrâneo.




O papiro foi usado no começo da era cristã pelos árabes, em seus registros e cartas oficiais, só perdendo o lugar no Século XII, quando apareceu o papel de madeira.











Para indicar atos malévolos, os escribas  escreviam com tinta vermelha,  traçando sob as palavras um risco preto para neutralizar a influência maléfica que delas emanava.












O homem primitivo desenhou ou pintou nas paredes das cavernas os objetos de que queria dar a impressão ou despertar a lembrança.

Foi a vontade de exprimir  seu pensamento que o levou à essa manifestação  gráfica  :  exprimir seu pensamento num sinal escrito.

Depois, a necessidade e a prática levou-o a uma simplificação do desenho primitivo, reduzindo os caracteres a uma simples indicação gráfica :  estavam criadas as letras






Sabemos que a História começou quando o homem passou a representar o seu pensamento através de sinais. 

E isso aconteceu na   Suméria  (= 'País de Sinear' da Bíblia)  uns 300 ou 400 anos antes que no Egito, com a invenção da escrita cuneiforme. 

Foi a necessidade sacerdotal de registrar o pagamento de tributos ao templo, que o levou a criar esse instrumento.

A partir de então, passou a registrar tudo : 
seus sentimentos,
seus desejos,
suas ambições,
seus amores,
suas conquistas  e  derrotas...








"No Egito, a aptidão artística da raça manteve, por muito tempo, a silhueta do desenho em toda sua integridade".

Eles possuíam profunda fé na magia da palavra escrita e supunham assegurar a realização dos pensamentos e esperanças ao escreverem.

À partir da IV Dinastia, seus túmulos já ressaltavam as virtudes de suas vidas neste mundo e as esperanças de sua continuação no outro, através de orações, ritos e fórmulas mágicas  :  nada de azar, como se imaginava.

Com a V Dinastia e posteriormente, as inscrições tornam-se mais complicadas.

"Eles nunca racionalizaram certos aspectos de sua língua, nem se preocuparam com isso.
Se alguém a quisesse aprender, por que se preocupariam em tornar-lhe fácil a leitura ?
E o método foi sempre um compromisso entre os sistemas alfabético e pictórico".



Nunca deixaram de usar o método clássico de representar as palavras e as idéias por desenhos.
"A língua egípcia teve suas próprias peculiaridades e, se a fala é apenas uma expressão natural do gênio de um povo, devemos notar que o egípcio se caracteriza pela concisão, realismo concreto e arguta observação"
CYRIL  ALDRED  -  "The Egyptians" ).




"Os egípcios desenvolveram sua primeira forma de escrita no período pré-dinástico.
Esse sistema conhecido como hieroglífico, foi inicialmente composto de sinais pictográficos para designar objetos concretos.
Gradualmente, tornaram um sentido convencional e foram usados para representar conceitos abstratos.
Outros caracteres foram introduzidos para formar palavras.
Finalmente foram adicionados, logo no inicio do Antigo Império, 24 símbolos, representando cada um deles um único fonema consonantal da voz humana.
Assim o sistema hieroglífico de escrita em época bem remota, veio a incluir três tipos separados de caracteres : pictográficos, silábicos e alfabéticos.
A última etapa nessa revolução teria sido a separação dos caracteres alfabéticos dos não alfabéticos e o uso exclusivo dos primeiros nas comunicações escritas.
Os egípcios relutaram em dar esse passo decisivo.
Suas tradições de conservantismo impeliram-no a seguir os antigos hábitos.
Apesar de fazerem uso comumente dos caracteres consonantais, não os empregavam comumente como um sistema independente de escrita.
Isso foi deixado para os fenícios, que o fizeram 1.500 anos depois.
Não obstante, deve ser atribuída aos egípcios a invenção do princípio do alfabeto.
Foram eles os primeiros a perceber o valor dos símbolos singulares para representar sons isolados da voz humana.
Os fenícios apenas adotaram esse princípio, basearam nele seu próprio sistema de escrita e difundiram a idéia entre as nações vizinhas."
[ EDWARD McNALL BURNS  -  "História da Civilização Ocidental ]






ESCRITA  HIEROGLÍFICA








Texto mural hieroglífico  -  tumba da rainha  NEFERTARI.



"Hieróglifo"  é palavra derivada dos vocábulos gregos  "hieros"  (= sagrada)  e  "glyphein"  (=  talhar)  = escrita sagrada.

Foi conhecida no Egito inteiro, embora os gregos afirmassem que só podia ser interpretada pelos sacerdotes, o que não é verdade.

À princípio surgiu  a  pictografia, em que o desenho pretendia significar nada mais que o objeto representado, isto é :  a imagem ou esboço do objeto visto, concreto.

Depois, o  pictograma transforma-se em sinal  ideograma, pois entre a imagem representada e sua expressão, não havia nenhuma relação.
Transformaram o sinal pictograma em sinal de idéia ou coisa abstrata.
Recorreram às figuras gramaticais para isso, representando parte do objeto pelo todo :  a madeixa pela cabeleira ; o instrumento pelo trabalho ; o efeito pela causa e vice-versa.
Às vezes pintavam um objeto que tinha ligação muito longínqua com a proposição enunciada :  o leão = coragem ;  a cabeça de um boi = respiração ;  o mocho =  maternidade.

Criou-se depois o  ideograma composto  para significar o que um só ideograma simples não podia :  o sinal do céu com estrelas acima  = além.

O tempo e o uso requereu uma interpretação fonética, mesmo rudimentar, da fórmula escrita, a fim de definir suas relações recíprocas.
Apareceu, então, o  silábico, que fez corpo ao ideograma e criou o fonetismo polifônico :  com a reunião de vários sinais, construíram-se frases, cujas letras nada tinham a ver com sua origem.

O sentido era expresso por certos ideogramas colocados no final das palavras ou frases, às quais se ligavam.
Esses ideogramas constituíram os determinativos, que se dividiam em  especiais e genéricos.

Os especiais  - convencionados a um só objeto ou a uma só idéia : o hieróglifo de orelha, que não se emprega senão às palavras que exprimem a idéia ou as ações da orelha.
Os genéricos, apresentados após um grande número de raízes, não havendo entre elas analogia de sentido :  o homem que leva a mão à boca, em todas as palavras, marcam um ato material da boca ou trazem esse sentido  (= julgar / saber, etc).

Além dos determinativos, certos ideogramas formam um alfabeto completo, desenhando o papel de sinais ortográficos de radicais, que serviam para completar o sentido dos determinativos.


A escrita hieroglífica requeria cuidadosa caligrafia






[ Para saber sobre a decifração dos hieróglifos, clique aqui :
http://jv-egiptologia.blogspot.com.br/2015/06/je-tiens-laffaire-champollion-decifra.html   ]









ESCRITA  HIERÁTICA
 
 
 
 



Texto hierático com sinais "mais rígidos".





Vem do grego  "hieráticos"  (= escrita sacerdotal ) -  nome dado por  CLEMENTE DE ALEXANDRIA  e  CHAMPOLLION.

Para as anotações de audiências,
para documentos,
decretos,
necessitava-se de uma forma mais fácil de escrever e ler.

Assim, para a escrituração diária, corrente, para a propagação de obras literárias e científicas, recorreram a uma espécie de taquigrafia, não da palavra, mas do desenho :  a escrita hierática  - que reduziu os hieróglifos a linhas ondulantes, representando uma sugestão dos símbolos originais.

Foi ela escrita sobre o papiro, de preferência, mas também a encontramos sobre pedra, ostraka, estuque e madeira.




Ela se divide em 2 gêneros secundários :
um mais rígido ,
outro mais rápido, mais cursivo.


Texto com escrita hierática mais cursiva  (compare com a ilustração anterior).




No dizer de  PAUL BRUNTON, o hieróglifo é o  "système du symbolisme littéraire le plus parfait qui ait jamais existe em le monde".

Os primeiros documentos datam do Antigo Império ou das Dinastias Tinitas.







ESCRITA  DEMÓTICA




Escrita demótica da Pedra de Rosetta.

Escrita demótica sobre  papiro.





Como as anteriores, a denominação é grega :  "demotikos"  (=  escrita popular ).

Com o tempo, o hierático deu origem à esta terceira escrita, mais resumida, que aparece sob a XXIV Dinastia, nas transações comerciais e burocráticas. 
700 a 470 aC., Época Saíta.








ESCRITA  MEROÍTICA




Tablete de barro cozido com  escrita meroítica.
- Museu Britânico -



"O Reino Etíope, que sofria poderosamente a influencia cultural do Norte, falava uma língua inteiramente estranha ao egípcio, mas empregava oficialmente a língua e escrita egípcias.
Por volta de 200 aC., Meroë  se tornou a nova capital, enquanto o país se desprendia da influência egípcia.
Em seu despertar para uma vida política própria, surgiu a necessidade de uma escrita que se adaptasse à língua nacional.
Criou-se, então, uma felicíssima combinação dos sistemas egípcio e grego".
[ Aqui a citamos justamente pelo motivo dos sinais meroíticos serem derivados do egípcio ]
Como tal, possui uma forma hieroglífica e uma demótica, mas o significado e valor quase não se combinam com as egípcias.
Foi conhecida desde 1820, sendo o inglês  RICHARD LEPSIUS  seu decifrador, baseado em estudos de outro inglês chamado  GRIFFITH.
Sua interpretação é ainda discutível e incompleta "
ERNEST DOBLHOFER  -  "Zeichen und Wunder", 1957 ).


Escrita meroítica feita com um cálamo sobre argila.
- Museu Britânico -








ESCRITA  COPTA












Por fim, o Egito cristão deu aparecimento a uma última evolução : uma escrita em caracteres gregos com interposição de vestígios hierográficos.
Conservou 24 letras helênicas, acrescentando mais 6 caracteres tirados da escrita demótica, para transcrever os sons inexistentes no grego.

Desde o Século I de nossa era, até à conquista árabe, em 640, tal era a grafia utilizada no Egito, entrando em rápido declínio depois dessa data.
Entretanto conservou-se como língua litúrgica oficial do ritual copta, sendo ainda por eles usada nas igrejas e conventos cristãos da Etiópia e Egito.


No inicio do III Século dC., traduziu-se, em copta, a Bíblia.

Foi  SÃO MARCOS  quem introduziu, em 55, esse ramo da religião cristã no Egito, sendo esta a  segunda força religiosa do país.








ESCRITA  DO  SINAI





"Durante algum tempo, a princípios do Século XV aC., os caanitas foram empregados como mineiros para extraírem turquesas e cobre em  Serabit e-Khaden, no Sinai.
Usavam cerâmica egípcia, esculpiam obedecendo as formas canônicas egípcias e representavam seus próprios deuses semíticos com as formas dos deuses egípcios  PTAH e  HATHOR.
Não eram beduínos do Sinai, mas caanitas sofisticados.
Devemos-lhes um grande invento : seus textos tinham um alfabeto egípcio.
Porém, rechassaram o complicado sistema egípcio e tomaram um só signo para cada som consoante de seu idioma.
A escrita do Sinai, assim formada, é a antepassada direta de nosso próprio alfabeto e de outros alfabetos modernos "
ERNEST DOBLHOFER  -  OBRA CITADA ).
.
Árvore genealógica dos alfabetos  por  ERNEST DOBLHOFER. 





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http://jv-egiptologia.blogspot.com.br/2015/06/literatura-o-que-pensavam-e-o-que.html





 
 
 
 
 





 

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